TJSP 01/02/2022 - Pág. 2174 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 1 de fevereiro de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XV - Edição 3438
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prova isolada é insuficiente para a comprovação do ânimo de dono e o exercício da posse pelo lapso de tempo exigido. É
necessário um conjunto de evidências não contraditórias apontando para os requisitos fáticos previstos em lei. O Código Civil
repete a doutrina alemã de IHERING de posse (artigo 1.196), cuja natureza é essencialmente fática, ou seja, possuidor é aquele
que atua frente à coisa como se fosse proprietário, pois exerce algum dos poderes inerentes ao domínio, desempenhada por
uma exteriorização fática da propriedade. Para fins de usucapião, a legislação não se contenta com qualquer espécie de
ocupação. É necessária a exteriorização da posse como se dono fosse. O usucapiente precisa possuir o bem com convicção e
intenção de se tornar o proprietário (animus domini). Sobre o fundamento da usucapião, leciona Sílvio de Salvo Venosa: ‘’A
possibilidade de a posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas. Premia-se
aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou não se
insurgindo que o outro o faça, como se dono fosse. Destarte, não haveria justiça em suprimir-se o uso e gozo do imóvel (ou
móvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo espaço de tempo, sem oposição’’ (Direito civil: direitos reais. 4. ed.
São Paulo: Atlas, 2004. v. 5. p. 211). A norma legal transcrita exige os seguintes requisitos: a) posse (sem oposição, isto é,
mansa e pacífica); b) tempo (decurso do prazo de quinze ou dez anos, conforme o caso, sem interrupção); c) animus domini
(intenção de ter a coisa como dono) e, d) objeto hábil. Portanto, não se observam presentes os requisitos essenciais e
necessários à declaração da aquisição originária da propriedade. Diz a doutrina: dois elementos estão sempre presentes, em
qualquer modalidade de usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad
usucapionem, na qual, além da visibilidade do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais. Como se
percebe pelo dispositivo legal, a espécie de usucapião extraordinária tem como requisito apenas a posse contínua e sem
oposição, exercida com ânimo de dono, pelo lapso temporal de quinze anos, prazo reduzido para dez anos, em caso de moradia
ou produção habitual. Nesta modalidade de usucapião, dispensam-se até os requisitos da boa-fé e do justo título. Nesse sentido
é a lição de FLÁVIO TARTUCE: Assim, no que diz respeito à usucapião extraordinária, é seu requisito essencial, em regra, a
posse mansa e pacífica, ininterrupta, com animus domini e sem oposição por 15 anos. O prazo cai para 10 anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual ou houver realizado obras ou serviços de caráter produtivo, ou seja, se a
função social da posse estiver sendo cumprida pela presença da posse-trabalho. O que se percebe é que nos dois casos não há
necessidade de se provar a boa-fé ou o justo título, havendo uma presunção absoluta ou iure et de iure da presença desses
elementos. O requisito, portanto, é único: a presença da posse que apresente os requisitos exigidos em lei. Sobre o decurso do
prazo, dispensáveis maiores digressões, eis que se trata de elemento facilmente aferível, ao menos no caso em apreço. Apenas
se anote que se computam os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento (CC, art. 132). Mansa é a posse
que não sofreu oposição por parte de terceiros, ou seja, incontestada. Normalmente a insurgência contra a posse é a feita
judicialmente, por isso a mansidão de seu exercício se comprova suficientemente pela juntada de certidões negativas do Cartório
Distribuidor das Comarcas a que pertenceu o imóvel, bem como dos Cartórios de Registro de Imóveis a que ele pertenceu.
Evidente, contudo, que se algum dos interessados provar que por outros meios houve contestação ao exercício possessório
pelo autor, haverá esta de ser considerada. Ininterrupta, com o perdão pela obviedade, é a posse exercida continuamente, sem
solução de continuidade. Com ânimo de dono exerce a posse aquele que o faz com o desejo de ter a coisa para si, que se revela
por atos exteriores de quem de fato exerce o domínio; ainda, importante pressuposto para a usucapiãoé que ela incida sobre
imóvel passível de aquisição prescritiva (não o são, por exemplo, os bens públicos). Por fim, há possibilidade de cumular a
posse atual com aquela exercida pelos antecessores, conforme norma contida no art. 1.243 do Código Civil: “O possuidor pode,
para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207),
contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.” Trazendo tais noções ao
caso em apreço, vê-se que a parte autora preenche os todos os requisitos para o reconhecimento do domínio do imóvel descrito
na inicial, sendo de rigor o integral acolhimento do pedido deduzido. A usucapião extraordinária do artigo 1.238 do Código Civil,
exige a comprovação da posse, com animus domini, pelo prazo de 15 anos ininterruptos, independentemente de título e boa-fé.
No caso, o imóvel está devidamente descrito no memorial que acompanhou a inicial e a certidão de medidas e confrontações da
Municipalidade e não houve oposição quanto aos limites do imóvel pelos confrontantes, pessoalmente citados. No que concerne
à posse, o processo se encontra bem instruído pelos documentos que acompanharam a petição inicial, sendo certo que não há
controvérsia quanto ao tempo de exercício e qualidade da posse, tampouco, houve oposição quanto aos limites do imóvel pelos
confrontantes pessoalmente citados ou contestação do titular do domínio. Os autores comprovaram não serem proprietários de
outros imóveis (fls.315/318). Ainda, sustentou que a aquisição foi onerosa (fls. 14/16). A usucapião especial urbana é modalidade
prevista no caput do art. 183 da Constituição Federal, com a seguinte redação (idêntica, inclusive, ao disposto no art. 1.240 do
Código Civil): Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Assim, a ausência do justo título em nada prejudica o direito da parte autora na
modalidade de usucapião pretendida, que vem calcado exclusivamente nos quase quinze anos, se considerado o tempo de
trâmite deste feito, de posse mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, com ânimo de dono sobre o bem descrito no memorial
descritivo de fls. 118/119, com área total de 129 m². Nesse sentido, o julgado deste Tribunal: Apelação Cível - Usucapião
especial urbana - Cumprimento dos requisitos para a modalidade especial de usucapião - Imóvel possui área total de 250 m² Apelados não são titulares de domínio sobre outro imóvel - Demonstração da posse mansa e pacífica por, no mínimo, nove anos
antes da propositura da demanda - Justo título e boa-fé dispensados na modalidade da usucapião urbana - Sentença mantida Recurso improvido. (Apelação nº 0011981-27.2007.8.26.0084, 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP, julgado em 10/05/2016,
Des. Relator José Joaquim dos Santos) (grifei) Por fim, ausente resistência especifica, não tem a contestação por negação geral
o condão de infirmar as provas dos autos. Enfim, comprovados os fatos constitutivos, de rigor o acolhimento do pedido
declaratório formulado. Ausente alegação de exercício da composse em diversos termos, a propriedade imobiliária deverá se
estabelecer em nome do Espolio cabendo aos sucessores proceder posterior partilha se houver interesse. Diante do exposto,
julgo extinta a demanda com resolução de mérito nos termos do artigo 487, I, do CPC e JULGO PROCEDENTE a pretensão
inicial para DECLARAR em favor do Espolio de Victor Oliveira Santana o DOMÍNIO sobre o imóvel constituído por parte do lote
08 da quadra 06, descrito no memorial às fls. 118/119. Eventual regularização das edificações existentes no imóvel deverá ser
efetuada administrativamente junto à Municipalidade, com posterior averbação junto ao Oficial de Registro de Imóveis conforme
exigências legais. Custas pelos autores, observada a gratuidade de justiça. Sem condenação em honorários advocatícios, face
a ausência de resistência. Transitado em julgado, expeça-se o necessário para registro do imóvel descrito na transcrição nº
46.989 do CRI da Comarca de Santo André em nome dos autores. Conste no mandado a qualificação dos autores (RG, CPF,
estado civil, profissão, nacionalidade, domicilio), como estabelecido no artigo 223 das NSCGJ. Observe a serventia a retificação
do polo ativo de fls. 301. Nos termos do Provimento CG nº 14/2020 e art.1.273-A das NSCGJ, tendo em vista que este processo
tramita eletronicamente, conste no mandado a senha para que o Tabelião acesse os autos digitais, ficando dispensada a
anexação de cópias. Cumprido, intime-se a patrona dos autores para imprimir e encaminhar o mandado ao CRI. A seguir,
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º