TJSP 09/02/2022 - Pág. 824 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XV - Edição 3444
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admite a revisão de um contrato em virtude de circunstâncias supervenientes e imprevisíveis que, desequilibrando a base
econômica do negócio, impõe a uma das partes obrigação excessivamente onerosa. Nos termos do art. 478 do Código Civil:
“Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com
extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.”. Sob essa perspectiva, é de concluir
que o legislador qualificou a alteração contratual por fato superveniente e extraordinário, de modo que a situação que a autoriza
deve compreendida como aquela que está fora dos riscos normais do contrato. Sobre o tema Cristiano Chaves de Farias pontua:
“o fato extraordinário é aquele que não está coberto pelos riscos próprios do contrato. Há um gravame no cumprimento que, por
sua relevância, vai muito além da exigência razoável. O risco impróprio é o rompimento grave da equivalência. Em função da
alteração das circunstâncias, um dos contratantes é conduzido ao limite do sacrifício. Nesta circunstância de peculiar gravidade
do acontecimento causador do posterior desequilíbrio, excepcionalmente o legislador defere ao contratante a resolução, como
instrumento de libertação do custoso vínculo que o oprime.”. (Faria, Cristiano Chaves de Curso de Direito Civil: Contratos /
Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald 6. Ed. Salvador: Ed. Juspodvm, 2016) Com efeito, não se vislumbra o propalado
fato extraordinário a afastar a responsabilidade da requerida pelo atraso, pois a situação alegada na peça defensiva, não foge,
ou ao menos não deveria fugir, ao seu poder de absorção e reação, à luz da teoria do risco empresarial. Oportuno rememorar o
enunciado 366 da Jornada de Direito Civil: “Enunciado 366 Art. 478. O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade
excessiva é aquele que não está coberto objetivamente e pelos riscos próprios da contratação.”. Diante do reconhecimento da
mora por parte da requerida, passo a análise das perdas e danos experimentados. Os autores fazem jus à restituição integral
dos valores pagos pelo imóvel, incluído eventuais importâncias correspondente à comissão de corretagem e taxa “SATI”,
porquanto o desfazimento do negócio não se deu por culpa do comprador. Nessa toada, eventual cláusula penal sem sentido
contrário deve ser reputada abusiva, haja vista que, repita-se, a rescisão ocorreu por culpa exclusiva da requerida que não
cumpriu a entrega do imóvel dentro do prazo estipulado. A propósito, colaciona-se: “COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
Imóvel Resolução do contrato por falta de entrega da obraInadimplemento da réEfeito ex tunc da sentença resolutória.Restituição
atualizada da totalidadedas parcelas pagas.Cabimento de indenização por danos morais pela angústia causada com o atraso
injustificado na entrega das obras. Recurso de apelação da ré improvido e recurso adesivo da autora parcialmente provido.” (TJ/
SP, Apelação nº 0055535-38.2011.8.26.0224, Relator: Des. Francisco Loureiro, 6ª Câmera de Direito Privado). É possível,
portanto, entender pelo inadimplemento contratual da requerida, de sorte que assiste à parte autora o direito a perdas e danos,
abrangendo além do que efetivamente perdeu aquilo que razoavelmente deixou de lucrar, nos termos dos artigos 389 e 402 do
Código Civil de 2002. Com efeito, o autor terá direito à restituição integral daquilo que pagou à requerida, o que deverá ser pago
de uma só vez, acrescido de correção monetária desde a data do desembolso e juros de mora de 1% ao mês desde a citação.
Por outro lado, diversamente da postulação autoral, as perdas e danos não devem ser apuradas em imóvel diverso do
controvertido nos autos (imóvel alugado), sob pena de desequilíbrio contratual e possibilitando enriquecimento sem causa. A
jurisprudência se inclina no sentido de que a indenização por perdas e danos deve ser arbitrada em forma de aluguel mensal
consistente no percentual de 0,5% (meio por cento) do valor de mercado do imóvel, o que deverá ser calculado com base no
valor atualizado do contrato, incidindo desde a data em que o imóvel deveria ter sido entregue, considerando o prazo de
tolerância de 180 dias. A propósito, colaciona-se: “Propriedade imóvel. Data prevista para entrega da unidade. Detalhe relevante
do negócio jurídico. Hipótese de caso fortuito ou força maior não configurada (Súmula 161 do TJ-SP). Disponibilidade tardia do
bem (17 meses). Ilicitude objetiva. Inadimplemento relativo caracterizado. Cláusula de tolerância. Ausência de ilicitude (Súmula
164 do TJ-SP). Sentença mantida. DANOS MATERIAIS. Lucros cessantes. Aluguel mensal durante o período de atraso arbitrado
em quantia correspondente a 0,5% do valor do imóvel compromissado. Admissibilidade. Súmula 162 do TJ-SP. Sentença
mantida. DANOS MATERIAIS. Danos emergentes. Ressarcimento de valores dispendidos pela promitente-compradora com
IPTU e despesas condominiais de outro imóvel durante o período de atraso na entrega do bem compromissado. Admissibilidade.
Sentença mantida. MULTA CONTRATUAL. Tese de aplicabilidade da multa moratória em prol da promitente-compradora.
Simetria inviável. Poder Judiciário que não deve intervir na vontade não declarada visando que se institua penalidade nova.
Sem que o negócio preveja a multa compensatória, aplica-se o regime jurídico das perdas e danos. Temática refutada. Súmula
159 do TJ-SP. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido.” (TJ-SP - Apelação: APL 10254615020158260577 SP). O
termo inicial da indenização equivale ao prazo final previsto em contrato para entrega do imóvel (incluídos o prazo de tolerância
de 180 dias). Por outro lado, o termo final deve ter em conta a data em que o imóvel estava à disposição da requerente,
porquanto somente a partir desse evento é possível afastar a mora da empresa requerida com a efetiva disponibilidade do bem.
Por sua vez, descabe falar-se em danos materiais indenizáveis decorrentes de honorários advocatícios contratuais. É de livre
escolha da parte contratar o advogado que irá representa-la, logo não se mostra razoável atribuir a outrem o ressarcimento
pelos honorários contratados. Nessa linha, os honorários contratados não se enquadram em danos materiais imputáveis a parte
vencida, na medida em que nessa hipótese, incide tão somente os honorários sucumbenciais fixados pelo juízo a teor do art. 85
do Código de Processo Civil. A propósito, colaciona-se: [...]4.Os gastos extraprocessuais-aqueles realizados fora do processo-,
ainda que assumidos em razão dele, não se incluem dentre aquelas despesas às quais faz alusão o art.20doCPC/73, motivo
pelo qual nelas não estão contidos os honorários contratuais, convencionados entre o advogado e o seu cliente, mesmo quando
este vence a demanda. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.571.818-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/10/2018). Passo a análise
dos alegados danos morais. No âmbito jurisprudencial, é arraigado o entendimento que, em regra, o mero inadimplemento
contratual, por si só, não é capaz de configurar dano moral, pois não há ofensa aos direitos da personalidade. No caso dos
autos, o prazo limítrofe para entrega do imóvel findou-se em 30 de dezembro de 2018 e o imóvel esteve à disposição dos
autores poucos meses depois, de sorte que diante do ínfimo lapso temporal da mora, descabe falar-se em incidência de danos
morais indenizáveis. Aliás, nesse sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça Bandeirante: “3. Danos morais. Não acolhimento.
Ausência de demonstração de situação peculiar de sofrimento vivida pelos autores. Dano moral que não é presumido. Não
cabimento. Período ínfimo de atraso. Simples inadimplemento contratual que não configura abalo psicológico e emocional para
indenização moral. Precedentes. Reiteram-se os termos da sentença.” (TJ-SP - Apelação: APL 10033568920148260100 SP).
Nesse sentido, cumpre reconhecer que, salvo situações excepcionais e bem demarcadas, não é uma simples frustração que se
indeniza, mas sim a ofensa a direitos da personalidade, ou sofrimento intenso e profundo, a ser demonstrado caso a caso (Maria
Celina Bodin de Moraes, Danos à Pessoa Humana, Renovar, p. 64; REsp 202.564, Rel. Mim. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Com efeito, em que pese o transtorno suportado pelos autores, no caso dos autos inexiste ocorrência de ofensa aos direitos da
personalidade, configurando-se mero aborrecimento e/ou desconforto que não se eleva ao patamar de dano moral indenizável.
Aliás, conforme vaticinado pelo Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.426.710/RS: “Pode-se acrescentar, ainda, que
dissabores, desconfortos e frustações de expectativas fazem parte da vida moderna, em sociedades cada vez mais complexas
e multifacetadas, com renovadas ansiedades e desejos, e por isso não se pode aceitar que qualquer estímulo que afete
negativamente a vida ordinária configure dano moral”. III - Dispositivo Na confluência do exposto, JULGO PARCIALMENTE
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º