TJSP 25/05/2022 - Pág. 25 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 25 de maio de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XV - Edição 3513
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(fls. 38/44). Alegou que as partes se compuseram e o embargado mandou que um funcionário seu, de nome Valdecir, levasse ao
estabelecimento da embargante uma máquina de cartão da Cielo, nº 0010630168409200/POS 78708029, para que, à medida
que a embargante realizasse as vendas em seu estabelecimento, ao invés de passar o cartão do cliente em sua própria máquina
de cartões, passasse a máquina do embargado, cuja empresa tem o nome fantasia BIA ENXOVAIS. Procedeu dessa forma por
cinco meses, no período de 11/11/2017 a 17/03/2018. Pediu reunião com o requerente para a devida prestação de contas e
devolução dos cheques, o que foi recusado. O embargado mandou seu funcionário buscar a máquina e não devolveu as cártulas.
Realizou mais de vinte pagamentos através da máquina de cartões do embargado, cujos comprovantes estão parcialmente
apagados. Tem crédito a receber e não a pagar ao embargado. Réplica a fls. 60/68, em que o autor sustenta que os valores
passados na máquina não se destinavam a quitar o débito decorrente dos cheques objeto desta ação, mas outros, tanto que à
medida que os cheques eram pagos, eram restituídos à embargante. Saneador a fls. 91/92, com fixação dos pontos controvertidos:
1) se os pagamentos mediante utilização da máquina de cartão de crédito do embargado se destinaram a quitar os cheques
cobrados na ação monitória, ou outros igualmente emitidos pelo embargante, cujas cópias foram juntadas às fls. 72/76 (nºs 301,
302, 306, 888, 889, 986, 988); e 2) qual o montante que teria sido amortizado/quitado com a utilização da máquina de cartão de
crédito do Embargado. Ofício da Cielo a fls. 151/185, do que se manifestaram as partes. Deliberação do juízo a fls. 222 e
esclarecimentos da Cielo a fls. 269/303. Manifestação das partes a fls. 307/308, 310/316, 317/318 e 319. Deliberação do juízo a
fls. 320/321, declarando preclusa a produção de prova de que os pagamentos referiram-se a cheques não cobrados neste feito,
bem como determinação de juntada de extrato on-line da máquina utilizada exclusivamente no estabelecimento da ré.
Manifestação do autor a fls. 324/325, informando que o estabelecimento foi encerrado perante a Cielo, não sendo possível o
acesso à conta referente à maquineta 78708029. Nova manifestação do autor a fls. 329/337, do que se manifestou a parte ré a
fls. 375/381. É o relatório. Fundamento e decido. Esgotada a oportuna instrução processual útil (art. 370, parágrafo único, do
CPC), o processo está maduro para sentença, até porque os documentos apresentados são suficientes para a formação do
convencimento do juízo. A controvérsia reside, como fixado na decisão saneadora, no pagamento, se parcial ou total, e se
relacionado com as cártulas que constam na inicial. Incontroverso, pois, que as partes estabeleceram entre si uma relação
negocial, embora a causa subjacente à emissão do título não interesse ao deslinde do feito, principalmente em razão do caráter
autônomo da obrigação constante no cheque. Não se trata de relação de consumo. Nesse cenário, o autor se diz credor da ré,
e esta, por sua vez, também se diz credora do autor, visto que repassou a VALTER AGNALDO GILAVERT EIRELI os pagamentos
que lhe cabiam, através da máquina de cartão colocada em seu estabelecimento comercial. De acordo com o ônus geral da
prova, cabe ao autor a demonstração do direito invocado o crédito nos termos dos artigos 701 e 373, I, do CPC. Cabe à ré, por
sua vez, a prova dos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor (art. 373, II, do CPC). Aliás, cabe destacar
que no processo civil não há princípio que milite em favor do autor, que precisa demonstrar seu direito de modo suficiente, sob
pena de improcedência (TJ-SP - RI: 00069338220168260016 SP 0006933-82.2016.8.26.0016, Relator: Danilo Mansano Barioni,
Data de Julgamento: 05/05/2017, Sétima Turma Cível, Data de Publicação: 05/05/2017). Além disso, impera a presunção de
boa-fé, e o contrário depende de prova. Isto posto, passemos à análise do conjunto probatório. Os cheques que descrevem o
crédito líquido, certo, mas não dotado de executoriedade estão nas fls. 17/22, os quais não foram impugnados pela embargante.
Não há, de fato, mácula nos títulos. Contudo, há dúvida razoável sobre a existência do crédito em virtude das circunstâncias do
caso concreto. O autor confirma que uma de suas máquinas de cartão foi entregue para que a ré “recebesse” os pagamentos
dos seus clientes, contudo, aduz que tais pagamentos referem-se a outros cheques. No âmbito das obrigações, o cheque
representa a obrigação de dar quantia certa em tempo previamente determinado. Nasceu para representar ordem de pagamento
à vista, contudo, o uso diverso foi aceito e admite-se como meio de pagamento à prazo. Toda obrigação pressupõe a polarização
(credor e devedor) com papéis distintos e complementares ao passo que cabe ao devedor dar, fazer ou não fazer, cabe ao
credor dar a quitação e receber o combinado, e ainda, não embaraçar o cumprimento pelo devedor. No caso dos autos, a
embargante se obrigou a pagar a quantia descrita nos cheques em tempo determinado, e afirma que o fez. O pagamento é uma
das formas de extinção da obrigação e, aqui, importa na entrega de dinheiro, diretamente ou por meio do sacado. Como não
houve pagamento por meio do banco sacado (fls. 18, 20 e 22), o pagamento seria de outra forma voluntária ou forçada, por meio
da execução ou da ação monitória sendo que uma exclui a outra. Uma das provas do pagamento seria a devolução dos títulos
(art. 324, caput, do CC), o que não ocorreu. Entretanto, como se presume a boa-fé, a retenção dos títulos pelo autor não importa
necessariamente em inadimplemento, ainda mais no caso em apreço. Além do pagamento, há outras formas de extinção da
obrigação, como a dação em pagamento, a novação e a confusão, hipóteses em que não há sempre cumprimento exato da
obrigação, embora sempre haja quitação. Dispõe o Código Civil que o pagamento deve ser feito ao credor (art. 308), e que ele
não está obrigado a receber prestação diversa, nem tampouco em partes (arts. 313 e 314). E aqui não ocorreu de maneira
diversa. Verificado o inadimplemento, o credor sugeriu (e a devedora aceitou) que o pagamento (em dinheiro) se desse pelo
recebimento direto dos pagamentos dos clientes de VALÉRIA, que concordou. Assim, durante determinado período, os clientes
de VALÉRIA foram quitando o débito havido, de maneira parcial, e, ao final, pagaram integralmente a dívida. Impõe destacar
que o credor não poderia, agora, infirmar a forma como se deu o pagamento se foi ele que a sugeriu. Diante do pagamento em
partes de vários débitos descritos em cheques (fls. 17/22 e 72/76), houve imputação de pagamento (art. 352, do CC), mas
nenhuma das partes (credor ou devedor) indicou quais os débitos eram pagos, o que não impôs prejuízo ao credor, que recebeu
mais do que lhe era devido (nestes autos). Na espécie, não houve imputação pela devedora, nem tampouco pelo credor, devendo
ser aplicada, conforme sugere Pablo Stolze, a regra do revogado Código Comercial, de modo que entende-se feito o pagamento
por conta de todas [as dívidas da mesma data e de igual natureza] em devida proporção. E como o crédito do autor é menor do
que o da embargante, houve quitação total. Mas ainda que assim não fosse, o novo acerto de vontades (entrega da máquina de
cartão) implica na compensação dos débitos/créditos, porque adimplidos todos os requisitos legais (art. 368, do CC):
reciprocidade de obrigações; liquidez das dívidas; exigibilidade atual das prestações (vencimentos); e fungibilidade dos débitos
(dívidas de mesma natureza). Entretanto, não sendo possível determinar qual o crédito em favor da ré, basta para os autos
saber que houve quitação, mas não se pode estabelecer (e obrigar o credor) o direito à devolução do que cobrado a maior.
Acrescente-se, ainda, que a embargante poderia ter deduzido pedido reconvencional (Súmula 292, STJ), mas não o fez, o que
também obsta, pela inobservância do procedimento, o acolhimento do pedido. De mais a mais, é razoável que a embargante
arque com esse prejuízo momentâneo (resolúvel em via própria) na medida em que também concorreu para ele ao aceitar e não
documentar adequadamente os pagamentos efetuados. Em suma, se analisamos a situação concreta por quaisquer desses
primas, de rigor aplicar o disposto no art. 320, parágrafo único, do Código Civil: “ainda sem os requisitos estabelecidos neste
artigo valerá a quitação, se de seus termos ou das circunstâncias resultar haver sido paga a dívida”, isso porque da conjugação
dos documentos apresentados na inicial (fls. 56/57) com a resposta ao Ofício pela CIELO, observa-se que no período (11/11/2017
e 17/03/2018), apenas com relação as bandeiras Visa e Mastercard (visíveis nos relatórios de fls. 56/57), os créditos em favor
do autor somam mais de R$ 132 mil (fls. 153), o que supera (em muito) o débito noticiado, inclusive o anterior (fls. 17/22 e
72/76). E como o autor não logrou êxito em demonstrar quais operações referiam-se ao seu estabelecimento comercial, não é
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