TJSP 09/11/2022 - Pág. 3669 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 9 de novembro de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XVI - Edição 3627
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de assistência e proteção à criança e ao adolescente em situação de violência. Previu referido diploma, ainda, além da
necessidade de escuta especializada (extrajudicial), a implementação do depoimento especial, colhido de acordo com
procedimentos que respeitem a condição de desenvolvimento da criança ou do adolescente, para evitar a revitimização e
repetição de relatos. Na lição de Maria Regina Fay de Azambuja, A violência sexual intrafamiliar praticada contra a criança
“retém os aspectos do abuso relativos ao apelo sexual feito à criança, bem como destaca tal ocorrência no interior da família” .
Ao mesmo grupo familiar pertencem os dois pólos da ação, agressor e vítima, sendo que “as crianças, vítimas inocentes e
silenciosas do sistema e da prática de velhos hábitos e costumes arraigados na cultura do nosso povo, são as maiores
prejudicadas neste contexto calamitoso” . Pode-se dizer que a violência sexual intrafamiliar praticada contra a criança “está
envolta em relações complexas da família, pois os abusadores são parentes ou próximos das vítimas, vinculando sua ação, ao
mesmo tempo, à sedução e à ameaça” . Resulta de relações de poder, expressas não somente no uso da força física do adulto,
“mas também pelas artimanhas da sedução, da persuasão e do uso do imaginário, de tal forma que a criança vitimizada pareça
uma preferida; ela é convidada a dormir com o pai, quando assim é o caso, o que se lhe afigura como protetor, socializador” .
Esse abuso de poder que envolve a relação do adulto sobre a criança, como assinala Carla Simone Beuter, “não se restringe
apenas à dominação e à apropriação do seu destino, mas também ao desrespeito à criança, ao seu corpo, à sua identidade e ao
ser humano como sujeito de direitos” (A inquirição da vítima de violência sexual intrafamiliar à luz do superior interesse da
criança). Com efeito, a vítima possui 11 anos de idade. A literatura especializada indica que, quanto mais nova, mais vulnerável
é ao trauma em razão de sua capacidade de se impressionar com os fatos, havendo inclusive o risco de dissociação, ou seja,
um distúrbio ou alteração nas funções normalmente integrativas de identidade, memória ou consciência, como um mecanismo
de defesa da criança (Sanderson, Christiane. Abuso sexual em crianças. 2005, São Paulo, M. Books do Brasil Editora Ltda.,
171/173), embora também seja recomendável que ela expresse os fatos como meio de integrar sua experiência (ob. Cit, p.
181/181). A jurisprudência tem convalidado esta possibilidade de produção antecipada de prova em casos semelhantes:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS.
CARÁTER DE URGÊNCIA DEMONSTRADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A produção
antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses consideradas de natureza urgente pelo Juízo processante, consoante sua
prudente avaliação em cada caso concreto. 2. Na hipótese em apreço, como se verifica da leitura das razões do acórdão
recorrido, a aplicação da medida encontra-se devidamente justificada, ante a necessidade de proteção à vítima - “criança com
dez anos de idade na época do fato” e a “possibilidade de esquecimento dos fatos pelos possíveis traumas psicoemocionais
sofridos e pelo próprio decurso do tempo, sem prejuízo de influências ocasionadas por pressões no âmbito familiar”. 3. Habeas
corpus denegado. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Processo HC 240227/DF. Habeas Corpus 2012/0081742-5. Rel.
Ministra Laurita Vaz. Quinta Turma. Data do Julgamento 14/08/2012. Data da Publicação DJ 23/8/2012). Como escreve o
Defensor Público Diogo Vale de Medeiros, nas situações decorrentes de violência sexual contra crianças e adolescentes, tornase imperiosa a readequação institucional em favor das diretrizes de funcionamento do sistema de garantia e atendimento
especializado, contribuindo para que os procedimentos extrajudiciais e/ou processos judiciais sejam conduzidos priorizando sua
proteção e não os colocando como mero objeto de produção de provas. Além da preocupação na persecução probatória, o olhar
de todo o sistema de garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, incluindo o sistema de justiça, deve prestigiar a
proteção e cuidado às crianças, adolescentes e famílias que se encontram em um cenário de vulnerabilidade (A visão da
Defensoria Pública sobre o atendimento extrajudicial e judicial às crianças e aos adolescentes em situações de violência sexual)
Tratando-se, ademais, de processo relativo a estupro de vulnerável, necessárias medidas complementares de proteção da
vítima. Mundialmente vem se tentando construir soluções para um atendimento mais adequado das vítimas destes delitos, tendo
as Nações Unidas editado Resolução estabelecendo diretrizes à justiça em assuntos envolvendo crianças vítimas e testemunhas
(Resolução 20 de 2005 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas). Tal resolução determina que a justiça adote
cuidados para evitar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas, discriminando uma série de direitos que
devem ser observados, visando equacioná-los com o das pessoas acusadas. Neste sentido, propugna-se a limitação do número
de inquirições, a utilização de profissionais habilitados para a escuta, a gravação do depoimento para evitar a repetição do ato,
dentre diversos outros cuidados. Esta orientação vem sendo acolhida mundialmente e foi contemplada no país pela lei 13.431/17.
Ante o exposto, considerando a idade da vítima e a natureza sexual do delito, entendo ser o caso de produção antecipada de
provas, nos termos do art. 11, §1º, da lei, designo desde logo o dia 12 de dezembro de 2022, às 16h. Determino, assim, que seja
dada ciência às partes, a quem faculto a apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico no prazo de cinco dias,
devendo o representado ser intimado a fazê-lo na mesma oportunidade em que citadao o que deve ser feito com urgência. Em
seguida, tornem para sua apreciação. Sem prejuízo, encaminhem-se os autos desde logo ao setor para início das avaliações
(estudo prévio), com urgência. Cite-se a requerida, para que acompanhe a produção da prova, sem a possibilidade de
contestação, bem como apresente quesitos no prazo de cinco dias, sob pena de ser-lhe nomeado defensor dativo. O requerido
deverá ser intimado a informar se possui condições para constituição de defensor e, caso informe não possuir, no mesmo ato
deverá ser intimado a comparecer na subseção da OAB local para triagem, visando a indicação de defensor. Quanto à vítima,
oficie-se à OAB para indicação de defensor comunicando-se, expressamente, que se trata de abuso intrafamiliar, que dispensa
o comparecimento da vítima no local. Deverá também ser oficiado à OAB comunicando o comparecimento do requerido, caso
necessário.. Apensem-se estes autos ao autos 1500891-22.2022.8.26.0439 Int. - ADV: JOSE VIEIRA (OAB 69119/SP)
Processo 1002461-03.2022.8.26.0439 - Produção Antecipada de Provas Criminal - Produção Antecipada de Provas - A.J.F.
- Vista aos defensores do requerido e da suposta vítima, para que apresentem quesitos e/ou indiquem assistente técnico.
Ainda, ao defensor dativo: juntar aos autos o ofício de indicação em que consta o nº do Registro Geral de Indicação RGI para
possibilitar futura expedição de certidão de honorários. - ADV: JOSE VIEIRA (OAB 69119/SP)
Processo 1500198-38.2022.8.26.0439 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Decorrente de Violência Doméstica - R.R.O.
- Ante o exposto, julgo procedente o pedido e condeno ROGÉRIO RIBEIRO DE OLIVEIRA, qualificado nos autos, pela prática
do crime previsto no artigo 129, § 13º, do Código Penal, aplicando-se as disposições da Lei nº 11.340/06, a: (1) pena privativa
de liberdade de definitiva 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto; Condeno o
réu ao pagamento das despesas processuais e, em especial, ao da taxa judiciária no valor equivalente a 100 (cem) UFESPs,
nos termos do artigo 4º, § 9º, alínea “a” da Lei Estadual nº 11.608/03, observando-se, contudo, o disposto no art. 12 da Lei nº
1.060/50, caso o condenado faça jus ao benefício da justiça gratuita. Por fim, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código Penal,
na redação dada pela Lei n° 11.719/08, deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos materiais causados à vítima, ante
a total ausência de elementos concretos para aferição do efetivo prejuízo. É na esfera cível que a questão pode, eventualmente,
ser vertida e debatida. Conforme insculpido no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, ao proferir a sentença, o juiz
fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Não
obstante, tal quantia depende de pedido certo e líquido por parte da vítima, não bastando a alusão genérica a indenização. Neste
sentido, assevera GUILHERME DE SOUZA NUCCI: Admitindo-se que o magistrado possa fixar o valor mínimo para a reparação
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