TRF3 03/10/2016 - Pág. 1651 - Publicações Judiciais I - Tribunal Regional Federal 3ª Região
partiu de pessoa com cabelos brancos não infirma as declarações atinentes à identificação do requerente, especialmente porque
o tempo todo foi frisado que havia um grupo de pessoas.
Os registros telefônicos do requerente também consubstanciam elemento que denota sua participação no conflito: antes e no dia
dos fatos manteve contato com Jesus Camacho e Eduardo Yoshio Tomonaga - que também estão presos preventivamente.
Por fim, em cumprimento aos mandados de busca e apreensão expedidos nos autos 002800-56.2016.403.6002, foram
encontradas na Fazenda Pérola, arrendada pelo requerente, uma espingarda calibre . 32, um revólver calibre . 38, uma carabina
. 38, além de munições.
Destaque-se que a forma com desencadeados os fatos revela periculosidade, sendo possível que no contexto de tensão na qual
está inserida a área demarcada nos estudos da FUNAI, outros indígenas venham a ter sua integridade física ameaçada.
No que se refere ao periculum libertatis, verifico que, nas fotos acostadas na representação ministerial extraídas de um vídeo feito pelos
indígenas, é possível ver o grande número de caminhonetes que participou dos fatos da manhã do dia 14. Ao que tudo indica, tratava-se
aproximadamente de 300 produtores rurais, que chegaram ao local em dezenas de veículos e em uma pá carregadeira, utilizando-se de
armas de fogo de diversos calibres, inclusive armas longas, que foram disparadas na direção dos indígenas.
Frise-se, nesse sentido, que foram ao menos 12 (doze) tiros com armas letais comprovadamente alvejados diretamente contra os
indígenas, eis que foram atingidos: 01 tiro em Catalina; 01 em Norivaldo; 01 em Josiel, de apenas 12 anos de idade; 01 em Jesus; 01 em
Valdílio; 05 (cinco) em Libércio e 02 em Clodoaldo, que veio à óbito; além dos ferimentos com armas não letais e balas de borracha em
face dos indígenas Norivaldo Marques, Alex Junior da Silva e Zenildo Isnarde, atingidos nas costas, e Rosilene Barbosa de Carvalho, no
braço.
Evidente, portanto, o uso imoderado da força por parte dos produtores rurais que não só estavam em franca superioridade numérica,
como também estavam munidos de diversos armamentos letais e realmente, ao que tudo indica, "miravam nas pessoas", no mesmo sentido
do alegado no depoimento do indígena Libércio. (00: 19:40)
Some-se a isso o fato de não haver notícia de qualquer ferimento, ainda que leve, de nenhum dos 200 a 300 produtores rurais envolvidos
nos fatos.
A gravidade objetiva da conduta, as circunstâncias dos fatos e o modus operandi adotado são, como se nota, graves, o que foi
devidamente valorado pelo juízo impetrado como demonstrativo da periculosidade dos agentes, fundamentando a necessidade da prisão
cautelar dos acusados para a garantia da ordem pública.
A atitude dos acusados demonstrou, ainda, total desapreço pelos poderes constituídos, uma vez que eles foram alertados, na véspera pela
guarnição policial que compareceu ao local, que os produtores teriam que se socorrer ao Poder Judiciário, ajuizando a necessária ação de
reintegração de posse, ao que o representado Virgílio afirmou peremptoriamente que "resolveriam as coisas do seu jeito".
Tal conduta, como bem apontou a decisão impetrada, mostra-se bastante preocupante, considerando que a área onde ocorreram os fatos
está localizada em região de grande tensão, "decorrente justamente do conflito pela posse das terras, cujo processo de demarcação
encontra-se em fase bastante adiantada, tendo sido concluídos os estudos tendentes à demarcação pela FUNAI".
Por outro lado, o fato de um dos indígenas ter desferido tiros na direção dos produtores rurais, além de outros atos violentos por parte
dos indígenas, não tem o condão de afastar a configuração do periculum libertatis.
Realmente, a violência perpetrada pelos indígenas não autoriza nem legitima a violência empregada pelo paciente - que, reitere-se, deveria
ter se valido dos poderes constituídos para solucionar a questão, tal como fora orientado pelos policiais -, devendo ambas as violências
serem coibidas pelas autoridades competentes. E isso, ao que tudo indica, foi levado a cabo no caso vertente, onde o MM Juízo de
origem determinou a prisão preventiva do indígena que se mostrou violento e cuja liberdade configurava risco à ordem pública.
Gize-se, ademais, que se identificou apenas um indígena portando arma de fogo e desferindo tiros contra os produtores, de modo que tal
fato não é suficiente para descaracterizar a desproporção dos meios utilizados pelo grupo particular, o qual, repise-se, era composto por
um número substancialmente maior de pessoas, com diversas pessoas munidas de armas de fogo de diversos calibres, caminhonetes e
uma pá-carregadeira.
Dessa forma, os elementos de convicção colhidos até o momento autorizam a afirmar, como apontou a representação do Ministério
Público Federal, que, ao que parece, o grupo disparou contra os indígenas se não com animus necandi, ao menos assumindo o risco de
acarretar a morte das vítimas.
E não há como se vislumbrar que os representados tenham atuado no exercício regular do direito ao desforço imediato (art. 1210, CC),
já que não se pode reputar que eles se utilizaram de meios moderados, diante do uso de armas de fogo, tratores e veículos, da grande
superioridade numérica, do significativo número de pessoas atingidas por arma de fogo (08 vítimas de armas letais dentro de um grupo de
40 a 50 indígenas), sendo que uma delas foi alvejada 05 (cinco) vezes e nas costas, tudo isso a revelar claro excesso, incompatível com a
ventilada excludente de ilicitude. Ademais, a conduta adotada pelos produtores rurais não foi imediata, mas sim posterior ao ingresso dos
indígenas na Fazenda Yvu, o que igualmente descaracteriza o desforço imediato (art. 1.210, §1°, CC).
Por conseguinte, a decisão impugnada, assentada nos fundamentos acima expostos, não padece de ilegalidade flagrante, fundada que se
encontra nos requisitos previstos nos artigos 312 e 313, I, do Código de Processo Penal, a afastar, ao menos por ora, o cabimento de
qualquer das medidas descritas em seu art. 319.
À sua vez, a alegação de que o paciente possui condições pessoais favoráveis, como primariedade e bons antecedentes, residência fixa e
exercício de atividade lícita, não constitui circunstância garantidora da liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros
elementos que justificam a medida constritiva excepcional (RHC 9.888, rel. Min. Gilson Dipp, DJU 23.10.00; HC 40.561/MG, Rel. Min.
Felix Fischer, DJ 20.06.05, pág. 314).
Presentes os pressupostos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, INDEFIRO a liminar pleiteada.
Ao Ministério Público Federal.
Decreto o sigilo dos documentos juntados neste feito.
Publique-se. Intime-se. Cumpra-se.
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 03/10/2016 1651/1655