TRF3 22/01/2019 - Pág. 324 - Publicações Judiciais I - Tribunal Regional Federal 3ª Região
Além disso, é o art. 6º do NCPC que aumenta consideravelmente o espaço hermenêutico do magistrado no novo cenário processual.
A exegese que aqui fazemos sobre a extensão do campo onde pode (e deve) ser o recurso julgado monocraticamente, não é absurda, na medida em que a
imperfeição natural e esperável de toda a ordem jurídico-positiva pode ser superada pela "...atuação inteligente e ativa do juiz...", a quem é lícito "ousar sem o
açodamento de quem quer afrontar, inovar sem desprezar os grandes pilares do sistema" (DINAMARCO, Nova era do processo civil, págs. 29-31, Malheiros, 4ª
edição).
Indo além, deve-se atentar para a análise econômica do Direito, cujo mentor principal tem sido Richard Posner (entre nós, leia-se Fronteiras da Teoria do
Direito, ed. Martins Fontes), para quem - se o Direito deve se adequar às realidades da vida social - a eficiência (de que já tratamos) torna esse Direito mais
objetivo, com o prestígio de uma racionalidade econômica da aplicação do Direito, inclusive processual.
Para muitos, a eficiência deve servir como um critério geral para aferir se uma norma jurídica é ou não desejável (confira-se interessantes considerações em
https://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/u100/analise_economica_do_direito_20132.pdf), se é útil ou não para os fins de pacificação social pretendida pela
Constituição, eis que o Direito aparece na civilização (ocidental, pelo menos) justamente como uma dessas maneiras de pacificação.
Passando ao largo de discussões que aqui não interessam, concebemos que a análise econômica do Direito tem grande alcance no âmbito processual,
especialmente o civil, prestigiando-se uma "racionalidade econômica" a ser aplicada a institutos processuais, com vistas ao utilitarismo das fórmulas (em
substituição ao estrito formalismo), sem que com isso se vá substituir a valoração ética do Direito (processual, aqui).
Esse utilitarismo pode conduzir a interpretações e alcances da norma que - sem sacrifício do contraditório e da isonomia dos litigantes - permitam uma
simplificação desejável tendo em vista que a atividade judicante deve ser útil para a sociedade, e essa utilidade envolve rapidez e eficiência, a direcionar a solução
da lide na direção da paz social.
A análise econômica do Direito não pode ter como fio condutor a valorização do dinheiro (custos menores) em detrimento de critérios morais ou do princípio de
justiça; pode-se usar dessa teorização para baratear o processo não apenas no sentido estrito de menor dispêndio de pecúnia, mas também - e principalmente - no
sentido da economicidade de atos, procedimentos e fórmulas, tudo em favor da razoabilidade e da utilidade.
No ponto, merece consideração entre nós - posto que não sendo criação genuinamente brasileira, a análise econômica do Direito naturalmente deve ser, aqui,
estudada, compreendida e aplicada cum granulum salis - a chamada vertente normativa preconizada por Richard Posner, a qual se ocupa de indicar
modificações a serem incorporadas pelo ordenamento jurídico e pelos operadores do Direito a fim de conferir maior eficiência às suas condutas. É que essa
vertente - de modo correto - elege como valor a ser buscado a eficiência, imprescindível para que se atinja a pacificação social que é o objetivo último do Direito
dos povos ocidentais.
Eficiência e utilitarismo, na forma explicitada pelo tanto que a análise econômica do Direito pode ser aplicada no Brasil, podem nortear interpretações de normas
legais de modo a que se atinja, com rapidez sem excessos, o fim almejado pelas normas e desejado pela sociedade.
Para nós, todas as considerações até agora tecidas se permeiam, sem conflitos, de modo a justificar a ampliação interpretativa das regras do NCPC que permitem
as decisões unipessoais em sede recursal, para além do que a livre fria do estatuto processual previu.
Pois bem.
A presente ação foi proposta por IVONE DIAS BENELLI buscando ter anulada decisão administrativa prolatada nos autos do processo administrativo nº
19482.00003/2008-61, que resultou na cassação do seu registro de despachante aduaneiro.
Consta dos autos que referida pena foi aplicada à autora, ora apelada, com fulcro no art. 76, III, "d", da Lei 10.833/03, em razão da apresentação de documento
falso (original 2 do conhecimento aéreo nº 40605429701060831) para a liberação indevida de mercadoria sob investigação aduaneira.
Ressalto que a falsidade do referido documento é fato inconteste, bem como sua autoria, que foi assumida pela Sra. Vanessa Centurion. A discussão gira em torno
de esclarecer se a falsificação se deu por ordem da autora e/ou se ela tinha ciência da ilicitude do documento quando da sua apresentação ao Fisco para a liberação
das mercadorias.
Nesse sentido, tanto o MM. Juiz a quo quanto a E. Quinta Turma desta Corte (no julgamento da apelação interposta nos autos da ação criminal nº 000592847.2008.403.6105, que transitou em julgado em 25/04/18, conforme informação disponível no sistema judicial) são contundentes ao concluir pela inexistência de
prova suficiente de que a autora tenha determinado a falsificação do documento em questão ou feito uso dele de modo consciente de sua ilicitude.
Nesse sentido, destaco excerto da r. sentença:
Assim, da análise de todas as provas colacionadas aos autos, conforme amplamente explando acima, não identifico indícios suficientes de dolo da autora
na utilização da documentação duplicada. E, apesar de no auto de infração ter sido apenada com a cassação de seu registro, entendo que a pena foi
arbitrária, porquanto, não há nos autos prova cabal de sua má-fé na utilização do documento falsificado e tampouco da sua intenção em dificultar a
ação do fisco.
O acórdão proferido pela E. Quinta Turma é no mesmo sentido:
PENAL. PROCESSO PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304 C. C. O ART. 298). FALSIFICAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO.
MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. AUTORIA DELITIVA DOLOSA. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CPP, ART. 386 ,VII. ABSOLVIÇÃO DAS RÉS.
PROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
1. A falsificação é, em geral, crime-meio que se realiza com a finalidade de uso. Logo, estando o dolo do agente direcionado não apenas ao cometimento
do falsum, mas ao uso do documento, aplica-se o princípio da consunção, restando absorvida a falsificação pelo delito de uso de documento falsificado
(TRF da 3ª Região, ACr n. 2009.61.81.006079-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 14.05.12)
2. A incidência do princípio da consunção é adequada ao caso, haja vista que a falsificação do documento tinha por finalidade única a sua apresentação
perante a Receita Federal, assim demonstrada a relação necessária entre o crime-meio (falsificação) e o crime-fim (uso do documento falso). Rejeitada,
portanto, a alegação de indevida condenação por prática de fato posterior impunível.
3. Rejeitada a alegação de incompetência do Juízo, uma vez que o documento foi apresentado perante a Receita Federal, o que faz incidir o disposto no
art. 109, I, da Constituição da República.
4. Comprovada a materialidade do delito.
5. Ausente prova satisfatória de que a ré Vanessa tenha agido dolosamente ao preencher formulário com os dados do original, impondo sua absolvição
com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
6. Impõe-se, outrossim, a absolvição da ré Ivone, à míngua de prova suficiente de que tenha determinado a falsificação do documento e feito uso dele
perante a Receita Federal ciente de sua ilicitude.
7. Providas as apelações das rés.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 73375 - 0005928-47.2008.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ
NEKATSCHALOW, julgado em 19/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/03/2018 ) (destaquei)
Com efeito, diante a inexistência de lastro probatório mínimo de participação da autora na falsificação do documento ou de sua ciência quanto à ilicitude do mesmo,
não há como subsistir a penalidade imposta à autora (cassação de seu registro de despachante aduaneiro), com fulcro no art. art. 76, III, "d", da Lei 10.833/03,
porquanto o tipo exige o dolo do agente para sua consumação, senão vejamos:
Art. 76. Os intervenientes nas operações de comércio exterior ficam sujeitos às seguintes sanções:
(...)
III - cancelamento ou cassação do registro, licença, autorização, credenciamento ou habilitação para utilização de regime aduaneiro ou de procedimento
simplificado, exercício de atividades relacionadas com o despacho aduaneiro, ou com a movimentação e armazenagem de mercadorias sob controle
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 22/01/2019
324/1292