TRT17 16/09/2014 - Pág. 78 - Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho 17ª Região
1560/2014
Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região
Data da Disponibilização: Terça-feira, 16 de Setembro de 2014
base no art. 629 do Código Civil, que trata sobre o dever de guarda
do depositário, e requer a condenação do réu ao pagamento de
indenização por danos morais, a ser arbitrado pelo juízo, e por
danos materiais, no valor de R$ 9.264,00 (nove mil duzentos e
sessenta e quatro reais).
Em defesa, alega o reclamado sua ilegitimidade passiva ad causam,
defendendo caber ao Estado zelar pela segurança. No mérito,
sustenta que "a única menção que o Requerente faz de que o
suposto furto ocorreu nas dependências do Requerido, se dá
através de Boletim de Ocorrência, o que na verdade, não comprova
a permanência de seu veículo no estacionamento no momento
alegado, bem menos que o furto realmente ocorreu e, caso tenha
efetivamente ocorrido, tenha se dado naquele lugar" (f. 156).
O MM. Juízo a quo reconheceu a responsabilidade do réu pelos
danos materiais sofridos pelo autor, tendo assim fundamentado:
"Sabe-se que o ordinário se presume, enquanto o extraordinário é
que se prova. Funcionário de hospital que seja proprietário de
motocicleta, dispondo da facilidade de estacionar o veículo no pátio
do estacionamento empregador, certamente faz uso desse bem
para se deslocar no espaço urbano de casa para o trabalho e viceversa, e não deixaria de comparecer ao serviço senão fazendo uso
dele. Por outro lado, ainda que se trate de elemento de cunho
indiciário a notícia de furto passada pela vítima à autoridade policial
competente, não deve ser desprezado o seu conteúdo se nenhum
dado concreto de convicção conspira em sentido contrário, por força
da boa fé que inspira as relações dos agentes nas suas relações
jurídicas em geral, e em particular no âmbito dos negócios a
envolver o interesse público de coibir e sancionar o crime.
(...)
Dito isso, convém assinalar que não há de ser imputado a outrem o
dever de vigilância do bem depositado no espaço privado da ré,
nem mesmo ao Estado em seu poder de polícia, ao fundamento de
se tratar de fato de terceiro, pois ninguém senão a ré assume
juridicamente com o proprietário do bem depositado em seu
estacionamento o dever de guardá-lo e restituí-lo em perfeitas
condições, tal como o recebeu. (...) A par disso, é cediço que o
depósito voluntário se define como contrato gratuito (art. 628 do
CC), sem que deixe o depositário de assumir junto ao depositante o
dever de guardar e conservar a coisa depositada como cuidado e
diligência que costuma ter com o que lhe pertence, e de restituí-la
com os frutos e acrescidos ao dele ser exigida a coisa (art. 629),
sob pena de indenizá-la por inteiro, em caso de perecimento, ou em
parte naquela porção que lhe tenha sido depreciada. Esse dever
naturalmente se aplica tanto aos depositantes que sejam pacientes
e usem o estacionamento quanto aos trabalhadores do hospital que
a tanto igualmente se prestem, tornando mais ágil e produtiva suas
operações profissionais.
A ré, ao propiciar estacionamento aos seus usuários e funcionários,
assume com eles o dever de guarda e conservação dos veículos ali
depositados, o que implica em inevitável risco inerente ao negócio,
de modo suficiente a atrair a responsabilidade civil reparatória da
ré".
A indenização por danos morais foi indeferida, fundamentando o juiz
que o "autor, em sua causa de pedir, não relata, sequer en passant,
qualquer tipo de sofrimento, amargura, angústia ou constrangimento
reais e concretos capazes de demonstrar padecimento de dano
imaterial".
Recorre o reclamante argumentando que a motocicleta furtada era o
seu único meio de locomoção, "a qual utilizava para se dirigir até a
empresa ora recorrida para laborar em prol da mesma, empresa
esta que quando o ora recorrente, então empregado da recorrida,
mais precisou da mesma, o deixou na mão, causando sim grandes
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danos morais em virtude dos atos perpetrados pela recorrida de
omitir-se perante a sua obrigação de fiel depositário".
O réu, por sua vez, recorre alegando que o boletim de ocorrência
juntado pelo autor, além de ser documento unilateral, não comprova
a permanência do veículo no estacionamento, tampouco que "o
furto tenha de fato ocorrido e que, se ocorrido, tenha sido naquele
lugar".
Aduz outrossim que, ainda que se considere provado o furto,
inexiste ato ilícito praticado pelo empregador.
Nesse sentido, colaciona a jurisprudência abaixo transcrita:
"INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. FURTO DE VEÍCULO.
ESTACIONAMENTO DA EMPRESA. A disponibilização do
estacionamento pela empresa aos funcionários constitui uma mera
liberalidade, que não implica nem no dever de vigiar (os veículos
estacionados), nem de indenizar os veículos ou equipamentos
eventualmente furtados. A jurisprudência consumerista que se
construiu relativamente aos estacionamentos comerciais parte de
pressuposto diverso, qual seja, de que a escolha do
estabelecimento comercial se dá pela facilidade de estacionar. Não
é possível supor que o empregado escolheu trabalhar em
determinada empresa por conta do estacionamento que ela oferece.
Não é possível assim, transferir ao empregador um risco que não é
do empreendimento, mas particular do empregado, salvo se, norma
contratual ou convencional assim estipulasse. (TRT 12ª R.;RO
000838-73.2010.5.17.0020; Sexta Câmara; Rel. Juiz José Ernesto
Manzi; Julg. 25/03/2011; DOESC 01/04/2011)".
Inicialmente, registro que a competência para apreciar a presente
demanda foi definida pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de
Conflito Negativo de Competência (CC 123.824 - f. 344).
Assim, vejamos.
Quanto ao furto, propriamente dito, comungo do entendimento do
juiz de primeiro grau. Ainda que o Boletim de Ocorrência (f. 21 ) se
trate de elemento de cunho indiciário a notícia de furto passada pela
vítima à autoridade policial competente, não deve ser desprezado o
seu conteúdo se nenhum dado concreto de convicção conspira em
sentido contrário, por força da boa fé que inspira as relações dos
agentes nas suas relações jurídicas em geral.".
Ressalte-se que a própria reclamada, em razões de recurso (f. 383),
afirma que na época do furto não fazia qualquer controle de entrada
em seu estacionamento, razão pela qual o reclamante sequer
poderia comprovar, através de ticket de estacionamento, que a sua
motocicleta permaneceu no local durante o seu horário de trabalho.
Assim, tratando-se de prova de difícil produção, não pode o
reclamante arcar com tal ônus.
Logo, se não há nenhuma prova para mitigar a veracidade dos fatos
relatados no Boletim de Ocorrência, considero que o furto ocorreu,
de fato, no estacionamento do réu, durante o horário de trabalho do
autor.
No tocante à responsabilização do empregador, contudo, divirjo.
Na concepção do CDC (caput do art. 14), a oferta de
estacionamento, ainda que por simples cortesia, implica o dever de
guarda e de vigilância, e consequente dever de indenizar em caso
de furto ou roubo. Não há, assim, que se perquirir a ocorrência de
culpa, uma vez que a responsabilidade do fornecedor de serviços é
objetiva.
Ocorre que não se trata, aqui, de descumprimento contratual por
fornecedor de produtos ou serviços. Não estamos diante de uma
relação consumerista (pelo menos diante da ótica da ação
proposta), mas sim, de uma relação de trabalho, que encontra no
contrato de trabalho a fonte de obrigações.
É dizer: se as cláusulas do contrato de trabalho não previam a
obrigação de fornecer estacionamento a seus empregados, não