TJBA 04/03/2022 - Pág. 2013 - CADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.050 - Disponibilização: sexta-feira, 4 de março de 2022
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Conforme art. 6º, inciso VIII, da citada lei, é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou, alternativamente, for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências, estando tais conceitos intrinsecamente ligados ao acervo fático-probatório delineado no processo, de modo a atribuir o ônus probatório a quem poderia fazê-lo mais facilmente.
Na esteira do posicionamento dominante do STJ, a inversão do ônus da prova é considerada regra de instrução e não mais de julgamento, como inicialmente definido pelo Tribunal da Cidadania. Entretanto, em razão da peculiaridade e brevidade procedimental dos
processos submetidos ao rito da Lei 9.099/95, inexistindo uma fase própria de saneamento, será possível a inversão do ônus da prova
no momento da sentença, sem prejuízo à defesa que terá a hipersuficiência quanto a apresentação das provas técnicas.
Ademais, sabe-se que, em razão da vulnerabilidade do consumidor frente às relações contratuais standartizadas, a dinamização da
prova nas relações de consumo é a regra, concretizando o direito fundamental de defesa do consumidor.
Assim, diante da clara conjugação dos pressupostos insertos no art. 6º, VIII, do CDC, inverto o ônus da prova, detendo o réu a absoluta suficiência técnica para a produção probatória e evidência da prestação do serviço de forma adequada aos preceptivos do CDC.
Atenta ainda aos novos rumos da responsabilidade civil, a legislação consumerista, em seu art. 14, consagrou a responsabilidade
objetiva do prestador de serviços, ou seja, responde independente de culpa, pelos vícios originados da prestação defeituosa.
Logo, sendo a matéria governada pela teoria do risco, demonstrada a existência do dano pela parte autora, fica a cargo da parte ré o
ônus de provar a incidência de alguma causa excludente da obrigação de indenizar.
Capitaneada por essas premissas principiológicas, no caso concreto, diante da análise dos elementos de informação encerrados nos
autos, demonstrada a existência dos descontos ocorridos em sua conta corrente, caberia ao banco réu comprovar ter a parte autora
firmado o contrato que ensejou os respectivos descontos ou de tê-los previamente autorizado, o que não ocorreu, vez que não juntou
o instrumento que rege a relação objetada.
O réu não trouxe aos autos qualquer documento assinado pela parte autora comprovando que este voluntariamente aderiu aos serviços combatidos; nada juntou neste sentido, talvez porque assumiu o risco da sua própria desídia, ou o que é pior, não dispensou a
cautela que o negócio exigia.
Desta forma, entendo que está provada a ação lesiva voluntária do réu, o qual, mesmo diante do instituto da responsabilidade objetiva
(art. 14 do CDC) e da inversão do ônus probatório nesses casos (art. 6º, VIII do CDC), não trouxe nenhuma prova que amparasse
eventual legalidade da sua conduta de descontar valores do benefício da parte autora, sendo que nenhum documento a respeito fora
juntado aos autos.
De mais a mais, o requerido não trouxe quaisquer fatos ou fundamentos capazes de atrair a aplicação das excludentes de responsabilidade civil, cristalizadas no art. 14, § 3º, do CDC (inversão do ônus da prova ope legis).
Nesta linha, tenho como decorrente de defeito a realização dos descontos na conta corrente da parte autora, razão pela qual a repetição do indébito é medida que se impõe e, em dobro, a teor do que dispõe o art. 42, parágrafo único do CDC.
No que tange ao dano moral, sabe-se que a doutrina e a jurisprudência majoritárias se alinham no sentido de que o prejuízo imaterial
é uma decorrência natural (lógica) da própria violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito, caracterizando-se in re
ipsa, ou seja, nas palavras do festejado Sérgio Cavalieri Filho: ¿deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de modo que, provada
a ofensa... está demonstrado o dano moral¿ (Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2003. p. 99).
Mas, também pelo viés punitivo, e da prevenção de danos, a repercussão da conduta da ré merece ser sancionada.
Percebe-se que o ¿paradigma reparatório¿, calcado na teoria de que a função da responsabilidade civil é, exclusivamente, a de reparar o dano, tem-se mostrado ineficaz em diversas situações conflituosas, nas quais ou a reparação do dano é impossível, ou não constitui resposta jurídica satisfatória, como se dá, por exemplo, quando o ofensor obtém benefício econômico com o ato ilícito praticado,
mesmo depois de pagas as indenizações pertinentes, de natureza reparatória e/ou compensatória; ou quando o ofensor se mostra indiferente à sanção reparatória, vista, então, como um preço que ele se propõe a pagar para cometer o ilícito ou persistir na sua prática.
Essa crise do paradigma reparatório leva o operador do direito a buscar a superação do modelo tradicional, o qual não se traduz no
abandono da ideia de reparação, mas no redimensionamento da responsabilidade civil, que, para atender aos modernos e complexos
conflitos sociais, deve exercer várias funções.
Ao lado da tradicional função de reparação pecuniária do prejuízo, outras funções foram idealizadas para a responsabilidade civil.
Assim, avulta, atualmente, a noção de uma responsabilidade civil que desempenhe a função de prevenção de danos, forte na ideia de
que mais vale prevenir do que remediar.
Conforme salienta Ramón Daniel Pizarro, tanto do ponto de vista da vítima quanto do possível responsável, a prevenção do dano é
sempre preferível à sua reparação. O tema assume especial relevo em matéria de danos causados como consequência de uma lesão
a direitos personalíssimos, como a intimidade, a honra ou a imagem.