TJBA 06/09/2022 - Pág. 1431 - CADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.172 - Disponibilização: terça-feira, 6 de setembro de 2022
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Com efeito, a ré sustenta que existe um impedimento à prestação do serviço, mas não chega a esclarecer como chegou a essa conclusão e nem demonstrou que a prestação do serviço de fato se tornou inviável. A postura da ré afigura-se então irregular, afinal não
se pode reputar evidenciado o alegado óbice à prestação do serviço no imóvel em questão.
O Programa “Luz para Todos” foi criado com o objetivo de realizar a implementação de energia elétrica à parcela da população do meio
rural que ainda não tivesse acesso a esse serviço público.
A matéria atinente ao programa ‘’Luz para Todos’’ envolve inequívoca responsabilidade da empresa concessionária em efetivar a implementação de energia, nos termos do Decreto n. 4.873/03, da Lei n.10.438/2002 e da Resolução n.223/03 da ANEEL.
O art. 2º da Resolução 223/03 da ANEEL define concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica como sendo o
agente titular de concessão ou permissão a que incumbe a prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica.
Imperioso salientar que eventuais obstáculos e entraves para a concretização do Projeto “Luz para Todos”, assumido junto ao Poder
Público, não podem ser transferidos ou suportados ao/pelo consumidor, razão pela qual devem ser suportados pela Concessionária,
através do risco da atividade econômica desempenhada.
É dever da Concessionária, que detém o monopólio da prestação de serviços, ter o controle e ação sobre os locais ainda não abastecidos pelo fornecimento de serviço essencial de energia elétrica, e, desta forma, verifica-se que não se fez comprovação nos autos
sobre providências efetivas por parte da Ré para instalação/execução do serviço.
VALE RESSALTAR QUE A RESOLUÇÃO HOMOLOGATÓRIA Nº 2.876, DE 25 DE MAIO DE 2021 PREVÊ PRAZO MÁXIMO PARA
ALCANCE DA UNIVERSALIZAÇÃO RURAL NO MUNICÍPIO DE ITACARÉ PARA 31 DE DEZEMBRO DE 2018.
Em caso semelhante, veja-se o julgado da 4ª Turma Recursal do E. TJBA:
RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA SOLICITAÇÃO DE INSTALAÇÃO DE SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA EM PROPRIEDADE LOCALIZADA EM ZONA RURAL, AINDA NÃO ABASTECIDA PELO SERVIÇO. PEDIDO ADMINISTRATIVO FORMULADO JUNTO AO ÓRGÃO. COMUNICAÇÃO ENCAMINHADA NO ANO DE 2006 PELA
ACIONADA INFORMANDO QUE A LOCALIDADE ESTARIA ABRANGIDA NO PROGRAMA LUZ PARA TODOS. PROCESSAMENTO
ADMINISTRATIVO DO PEDIDO SEM QUE O ATENDIMENTO EM DEFINITIVO. ACIONADA QUE CONFESSA O RECEBIMENTO
DO PEDIDO ADMINISTRATIVO DE INSTALAÇÃO DO SERVIÇO, ADUZINDO QUE NECESSITA DE APROVAÇÃO DE COMITÊ
GESTOR, QUE COMPÕE, JUNTAMENTE COM OUTROS ENTES. NÃO COMPROVAÇÃO DAS ALEGAÇÕES DA RÉ, QUE INCLUSIVE CONFESSA ENCAMINHAMENTO DA INSTALAÇÃO DA REDE ELÉTRICA. NÃO COMPROVAÇÃO DA INVIABILIDADE DA
OBRA. CONSUMIDOR PRIVADO DE SERVIÇO ESSENCIAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. DANOS MORAIS. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO DE ACORDO COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE E EM CONSON NCIA COM AS PECULIARIDADES DO CASO. SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (Recurso Inominado ¿ Proc.0005515-40.2015.805.0110.Rel. Juíza Ivana Carvalho, Silva
Fernandes. DJ 19/04/2015).
Deveras, o autor permanece sem a prestação de serviço de energia elétrica até o presente momento, fato que não pode prosperar,
considerando que se trata de prestação de serviço de bem essencial, compreendendo o mínimo para a sobrevivência digna e segurança da população, sem a qual há dificuldade no desenvolvimento do ser, seja por falta de armazenamento seguro de alimentos,
consecução de higiene pessoal diária, limpeza doméstica, ou lazer e comunicação, sendo considerada pelo art. 10, Lei nº 7.783/1989
como serviço essencial.
O fornecimento de luz é serviço público essencial, de modo que a sua não implementação, a despeito do cumprimento dos requisitos
autorizadores para tanto, implica em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Sobre o fornecimento de serviços essenciais
e a necessidade de observância da proteção da dignidade da pessoa humana, vale citar a lição de Monica Spezia Justen (in “A Noção
de Serviço Público no Direito Europeu”, p. 231/232):
“O reconhecimento e o respeito ao acesso aos serviços de interesse geral implicam a proteção à dignidade da pessoa humana na medida em que a obrigação de garantir serviços universais está vinculada ao suprimento de necessidades vitais do ser humano. Algumas
dessas necessidades demandam bens econômicos tais como a energia elétrica, a comunicação (telecomunicações e internet, mais
modernamente) e o transporte. As necessidades vitais podem ser supridas pela garantia ao serviço mínimo, a que todos os cidadãos
podem ter acesso. Ou seja, a dignidade da pessoa humana está sendo respeitada quando assegurado está o serviço universal.”
Na espécie, o dano moral não exige prova porque se considera hipótese de dano in re ipsa, traduzindo a ideia de que os fatos falam
por si. Decorre da evidente gravidade dos fatos, desnecessária a prova de sua ocorrência.
Diante do exposto, além do mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo feito com
julgamento do mérito (art.487, I, CPC) para:
A) CONDENAR a parte ré na obrigação de fazer, no prazo de 60 dias, a instalação, ampliação, extensão ou qualquer outro serviço
necessário para estabelecer o fornecimento de energia elétrica na propriedade da autora, caso ainda não o tenha feito. Na hipótese
de descumprimento desta decisão, fixo multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia, até o limite de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
B) CONDENO, ainda, a pagar à parte autora a quantia correspondente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, acrescido de correção monetária pelo índice INPC e juros de mora na base de 1% (um por cento) ao mês, na forma do artigo 406, do Código
Civil, c.c. o parágrafo primeiro do artigo 161, do Código Tributário Nacional, desde a data do arbitramento, até o efetivo pagamento,
como imposto pelo artigo 398, do Código Civil, e Súmula 362 do STJ.
O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas, bem como
a sentença de primeiro grau não condenará o vencido nas custas processuais e honorários de advogado, ressalvados os casos de
litigância de má-fé; com esteio nos arts. 54 e 55, da Lei 9.099/95.
Ante o que preceitua o art. 40 da lei 9099/95, submeto esta decisão à Exma. Srª. Juíza de Direito.
Itacaré - BA, 08 de agosto de 2022.
LUIZ ANTONIO PINHEIRO DE LACERDA FILHO
Juiz Leigo
Vistos etc.
Homologo, por sentença, o projeto apresentado pelo Sr. Juiz Leigo, para que surta seus efeitos jurídicos e legais.
Transitada em julgado, sem requerimento, ao arquivo.