TJBA 04/10/2022 - Pág. 3313 - CADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.191 - Disponibilização: terça-feira, 4 de outubro de 2022
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No entanto, ao contrário do que ocorre com o empréstimo consignado, esta modalidade de contratação acaba por impedir que
o mutuário conheça, antecipadamente, o número e os valores exatos das parcelas que terá de pagar para quitação da dívida,
uma vez que esta varia de conforme o desconto efetuado mensalmente em folha, no qual oscila conforme a reserva de margem
consignável do aposentado ou pensionista.
Pois bem, ao atrelar a concessão de empréstimo à contratação de um cartão de crédito, sem que tal circunstância seja informada
com desejável clareza, o banco acaba por se ensejar às práticas vedadas pelos artigos 39, I e IV, do CDC, por condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (venda casada), e impor produto ou serviço
ao consumidor valendo-se de fraqueza ou ignorância causada por sua idade avançada.
Sendo assim, esta espécie de contratação redunda em manifesta desvantagem ao consumidor (artigo 39, V e 51, IV, do CDC),
pelos fundamentos que seguem.
É sabido que o aposentado, pensionista ou servidor público, como é o caso da autora, tem acesso, no mercado, a contratos de
empréstimo consignado que apresentam baixas taxas de juros, pelo reduzido risco de inadimplência, derivado da possibilidade
de desconto das parcelas diretamente do benefício.
Ao compelir o contrato de cartão de crédito consignado ao consumidor, a instituição financeira acaba impondo o empréstimo a
ele em condições significativamente mais desfavoráveis, pois o restante, medido após o desconto de cada período, está sujeito
a altas taxas de juros do crédito rotativo do cartão de crédito, conforme demonstrado.
É de se ver, nesta toada, que os valores descontados, mês a mês, a título de pagamento mínimo, aproximam-se bastante daqueles cobrados pelo banco a título de encargos rotativos.
Ao fazê-lo, o banco impõe ao consumidor uma abordagem contratual que só beneficiará a instituição financeira, com o objetivo
aparente de tornar permanente o pagamento da dívida contratual, quando o consumidor teria acesso pela própria instituição
financeira, formas mais favoráveis, como contratos de empréstimo consignado.
Desta forma, tal modalidade de contratação está a violar o disposto nos artigos 39, I, IV e V, 51, IV e 52, do CDC, de tal forma
a declarar-se sua nulidade absoluta.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E DÉBITO CUMULADO COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E ADESÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ILÍCITA E
ABUSIVA DE VENDA CASADA. EXEGESE DO ARTIGO 39 E INCISOS DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. BLOQUEIO DE MARGEM CONSIGNÁVEL NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO AUTOR. BANCO QUE SE APROVEITOU DA NECESSIDADE
FINANCEIRA E IDADE AVANÇADA DO AUTOR. CARTÃO DE CRÉDITO QUE NÃO FOI DESBLOQUEADO. IMPOSSIBILIDADE
DA INCLUSÃO DA RESERVA SEM A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR
CABIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Configura procedimento abusivo o banco que aproveitando-se da idade avançada e da necessidade financeira do consumidor, o compele a aderir ao cartão de crédito no momento
da assinatura do contrato de empréstimo, com a posterior reserva de margem consignável no benefício previdenciário, impondo
a obrigação de somente com ele contratar. RECURSO ADESIVO. AUSÊNCIA DE SUCUMBENCIA RECÍPROCA. RECLAMO
NÃO CONHECIDO. (TJ-SC – AC: 20120187103 Sombrio 2012.018710-3, Relator: Saul Steil, Data de Julgamento: 19/06/2012,
Terceira Câmara de Direito Civil)
TUTELA DE URGÊNCIA. Ação de reparação de danos. Autor que alega ter contraído mútuo do banco réu acreditando tratar-se
empréstimo na modalidade consignada, mas o negócio foi realizado como adesão a contrato de cartão de crédito, e o empréstimo na verdade foi realizado mediante saque no crédito rotativo do cartão. Decisão agravada que deferiu parcialmente o pedido
de antecipação da tutela para suspender a cobrança do débito, e, consequentemente, do desconto do valor mínimo da fatura
no contracheque do autor, bem como para impedir a negativação do seu nome, pena de multa única de R$ 50.000,00. Presente
a verossimilhança nas alegações do autor, pois provado que o crédito foi disponibilizado na modalidade de saque no cartão de
crédito, além de ser fato notório que outras dezenas de clientes do réu contraíram crédito nas mesmas condições e impugnaram
as operações em juízo. Presente o perigo de dano, diante do débito mensal do valor mínimo das faturas do holerite do autor, com
a incidência de encargos exorbitantes de cartão de crédito, gerando o efeito ‘bola de neve’. Decisão mantida no ponto em que
deferiu a antecipação da tutela. Astreintes. Possibilidade de fixação para o caso de descumprimento de obrigação de não fazer.
Arts. 536, § 1o, e 537, caput, do NCPC, e 84, §§ 4o e 5o, do CDC. Decisão reformada tão-somente para reduzir o valor da multa
para montante equivalente ao dobro do empréstimo questionado. Razoabilidade e proporcionalidade. Recurso provido em parte.”
(TJ/SP – 12a Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento n° 2187653-58.2016.8.26.0000– Relator o Desembargador
Tasso Duarte de Melo – julgado em 20 de abril de 2.017).
Uma vez reconhecida a nulidade da avença, cumpre restabelecer as partes ao estado anterior, o que implica determinar, à
autora, a restituição do valor que lhe foi depositado em razão do contrato, corrigidos desde o depósito, pelo INPC e, ao banco,
restituir, à requerente, os valores descontados em holerite ou pagos mediante boleto em razão da contratação, corrigidos pelo
INPC e com juros de mora de 1% ao mês a contar de cada desconto.
Estabelecem-se juros de mora ao banco, por ser da instituição financeira a responsabilidade pela contratação abusiva, aplicando-se, ao autor, o disposto no artigo 396, do CC.
Ressalta-se que os descontos no seu benefício obrigam a parte demandante a permanecer no contrato, no qual possui onerosidade excessiva.
Vejamos o que diz o Código Civil/02:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir
a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.