TJSP 27/05/2010 - Pág. 200 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 27 de Maio de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano III - Edição 722
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direito a ação do Estado para que o autor de certa conduta seja responsabilizado por ela, segundo as regras do direito posto direito objetivo. Alguma conseqüência tem de haver, senão de nada vale o Poder Judiciário responsável pela interpretação e
aplicação “correta” da lei. Ao devedor - reconhecido como tal pelo Poder Judiciário - compete pagar o que deve; esta é a
conseqüência pela constituição da dívida. Substituindo a vontade legítima do credor de receber o que lhe foi prometido, atua o
Estado para compelir o devedor a pagar; em alguns casos até com prisão (alimentos), noutros casos com a expropriação dos
seus bens para “dar ao credor o que lhe é devido”, ou seja, fazer JUSTIÇA. É a falência do Judiciário e da sua razão de ser,
reconhecer que o devedor tem patrimônio e afirmar ao credor que “nada” deste patrimônio pode ser retirado para lhe dar o que
lhe é devido, ou seja, para lhe FAZER JUSTIÇA! Quando isto acontece fica a pergunta: Para que serve o Poder Judiciário?
Onde está a Justiça que ele tem o dever de garantir? Estabelece a Constituição Federal a Justiça como objetivo fundamental do
Estado brasileiro. “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade
livre, justa e solidária; (grifei) Deste modo, também a Constituição Federal determina que a JUSTIÇA seja observada como
princípio maior; assim regra legal que estabeleça situação injusta está em visível confronto com este “principio” que é fundamento
de todos os Estados livres e democráticos. Considera, ainda, a Constituição como “direito fundamental” a retribuição justa, ou
seja, responsabilizar aquele que pratica atos pelo seu resultado, o que reafirma a vontade política do legislador de prevalecer a
“JUSTIÇA”, confira o que determina o artigo 5º: Art. 5º: V - “ É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de
indenização por dano material, moral ou à imagem; XLV - Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação
de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”; (grifei) Posto isto, a obrigação de ser “JUSTO” - dar a cada um o
que lhe é devido - não só está acima da lei, posto que precede ao direito posto, como também está escrita na Constituição
Federal como “princípio básico”. Como lecionado nos bancos escolares, no conflito entre a lei e a Justiça, deve o interprete
optar, sem sobra de dúvida, pela JUSTIÇA. Destarte, feitas estas reflexões visando restabelecer o equilíbrio destas situações
contraditórias, passa à análise do fato objeto do processo. Alega o devedor a que os valores depositados em sua conta bancária
são impenhoráveis, pois decorrem de seus vencimentos. Observo inicialmente que não se trata de conta apenas para
recebimento de salário, porquanto se verifica movimentação de débitos e créditos na referida conta corrente, desta forma não se
trata de típica “conta-salário.” O documento de fls. 141, informa que a base de cálculo utilizada para tributação é de R$ 1.372,82,
ou seja, estes são os proventos recebidos pela devedora o que não obsta auferir outros ganhos com alguma atividade como
ocorre normalmente com os aposentados. Não se pode dizer que todos os valores que são recebidos pelo devedor a título de
pagamento pelo seu trabalho sejam impenhoráveis, porquanto tais valores não são destinados “exclusivamente” ao seu sustento,
parte deles fica na conta outra parte é destinada à aquisição de bens e investimentos, como é notório. Os valores que
permanecem livres na conta corrente, ainda que decorram do pagamento de salário ou vencimento perdem esta qualidade,
porquanto não são mais indispensáveis ao sustento do devedor e sua família. Não bastasse, o salário mínimo é de R$ 510,00.
Este valor é considerado pela Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso IV, como suficiente ao atendimento das “necessidades
vitais básicas e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência
social,..” (sic). O devedor recebe mensalmente a quantia líquida de R$ 1.372,82, portanto cerca de 2,6918 de salários mínimos.
Desta forma não é possível à extensão pretendida pela devedora do disposto no artigo 649 do Código de Processo Civil,
tornando a integralidade de seus proventos impenhoráveis, inviabilizando o Poder Judiciário de fazer Justiça, ou de dar a credor
uma resposta “justa”. Ninguém em sã consciência é capaz de afirmar que o devedor deva ficar sem pagar a dívida que contraiu,
pouco importa quem seja seu credor, pois a regra que pode hoje discriminar o credor rico é a mesma regra que impede o pobre
de receber do rico. Exemplo: o pedreiro ou pintor que não pode penhorar pequeno percentual daquele que ganha altíssimo
salário. Onde fica a Justiça? Ora, quem deve tem a obrigação moral e legal de pagar! O salário, por sua vez, representa o que
o trabalhador aufere para cumprir com suas obrigações, sejam elas para sua sobrevivência, sejam elas para seu deleite pessoal
que também é considerado como indispensável à dignidade humana; assim pelo menos parte dele, desde que não inviabilize a
sobrevivência do devedor, pode ser penhorado para fazer Justiça ao credor, pois o “crédito”, em última análise, tem na sua
origem finalidade de sobrevivência e manutenção da dignidade do devedor, ou seja, era este também o motivo do devedor
quando procurou e obteve o crédito que hoje se recusa a pagar. Deste modo, a sobrevivência e a dignidade humana, é também
causa remota do “crédito constituído”, os valores que ele representa possibilitaram ao devedor sua sobrevivência e sua
dignidade, agora depois de utilizados, na hora de pagar, não se pode esquecer dos benefícios que proporcionou ao devedor e
sua família. Posto isto, por ferir o princípio geral de direito acima mencionado - a qualidade do que é “Justo” - e os princípios
constitucionais do artigo 3º, inciso I, combinado com artigo 7º, inciso IV, ambos da Constituição Federal, a vedação “absoluta”
do artigo 649, IV, do Código de Processo Civil, é inconstitucional. Considero-a relativa para que percentual dos vencimentos,
dentro dos limites que a lei admite sejam comprometidos, possam ser penhorados para pagamento ao credor. Frise-se,
finalmente, que a deliberação de penhora de percentual que não compromete a sobrevivência do devedor, além de fazer Justiça
ao credor torna a execução menos onerosa ao devedor, porquanto lhe possibilita cumprir a obrigação de forma parcelada sem
novos ônus de editais, diligências, intimações, ou seja, despesas processuais. Assim, a providência está, também, em perfeita
concatenação com o artigo 620 do Código de Processo Civil, cujo comando é destinado exclusivamente ao “Juiz da execução”.
Destarte, considerado que os valores recebidos pela devedora, nos termos da Constituição Federal, são mais que suficientes à
sua manutenção e de seus familiares, fica mantido o bloqueio judicial da conta bancária, entretanto ele será reduzido a 20% dos
seus proventos mensais, até liquidação do débito objeto deste processo. A providência é indispensável para tornar efetiva a
prestação jurisdicional, porquanto não foram localizados bens da devedora, tampouco ela indicou bem que pudesse garantir a
execução. Adotando posição semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão deste juízo: “Agravo de
Instrumento. Execução de Título judicial. Penhora “on line” reduzida para 15% sobre os vencimentos do executado. Não tendo
ocorrido a penhora sobre 100% dos vencimentos, mas apenas 15%, tal ato não causa onerosidade excessiva, porque não está
além daquele patamar permitido para o caso de consignação em folha de pagamento (1/3 dos vencimentos), situação que se
equipara à hipótese dos autos, e ainda, preserva a dignidade e as condições de sobrevivência do devedor, que é médico,
executado no valor de R$ 2.313,74 (fls. 72). Ausência de violação à impenhorabilidade de salário. Razoabilidade e
proporcionalidade. RECURSO NÃO PROVIDO” (sic). (Ag. Inst. Nº 7.132.690-0, 14ª Câm. Dto. Priv. “B” - Rel. Gioia Perini). Até o
próprio STJ já trilha por este caminho para considerar a possibilidade de penhora de percentual dos vencimentos, numa
inequívoca interpretação de que a vedação do artigo 649, IV, é relativa e não absoluta. Confira-se: (REsp 770797 / RS ;
RECURSO ESPECIAL 2005/0125594-1, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, j.
29/11/2006, DJ 18.12.2006 p. 377 RDDP vol. 48 p. 170) Ementa “DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. EXECUÇÃO
DE ALIMENTOS. PENHORA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. ART. 649, IV E VII, DO CPC. PENHORA DA
INTEGRALIDADE DO VALOR DA APOSENTADORIA. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO EM PERCENTUAL
QUE POSSIBILITE A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO-ALIMENTANTE. - Os proventos líquidos de aposentadoria podem ser
penhorados para pagamento de execução de pensão alimentícia, não obstante o inc. VII, do art. 649, do CPC silencie a esse
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º