TJSP 24/11/2010 - Pág. 1505 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quarta-feira, 24 de Novembro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano IV - Edição 839
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juros, mediante a apresentação de prova documental (contrato e extratos). Foi pleiteada a gratuidade processual e indeferida.
Houve agravo, ao qual não foi dado provimento. Com o recolhimento das custas e despesas, procedeu-se à citação da requerida.
Houve impugnação. Alega a impugnante que houve prescrição, já que o prazo prescricional para cobrança de valor constante de
documento é de três anos. Afirma, também, que há excesso de cobrança, posto que o spread e a comissão de permanência
elevam ilegalmente o valor que se está a exigir. A impugnação foi respondida às fls. 80 e seguintes, alegando que se aplicaria a
regra de transição do art. 2028 do novo Código Civil e que, assim, considerando-se que o prazo da lei anterior era de 10 anos,
e que em 2003 já havia transcorrido mais de metade do tempo previsto, aplicar-se-ia o disposto no Código Civil de 1916, e não
no de 2002. Afirma, ainda, que mesmo que se aplicasse o prazo prescricional do Código Civil de 2002, deveria ter tomado o
prazo de cinco anos, e a partir da entrada em vigor do novo diploma legal. Defende a legalidade da cobrança, tal como formulada.
Designada audiência nos termos do art. 331 do Código de Processo Civil, não houve composição e o autor não pleiteou a
produção de outras provas, além daquelas documentais já inseridas nos autos. A requerida e impugnante pretende a produção
de prova pericial contábil. RELATEI. DECIDO. Afasto a preliminar de prescrição. Importante frisar que não vinga a tese do BMD
de que se aplicaria o prazo do Código Civil de 1916, por já haver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei
revogada que, segundo o BMD, previa um prazo prescricional de dez anos. No entanto, o contrato venceu-se - como claramente
exposto pelo próprio BMD na inicial - em 31/10/1998 e, portanto, em 11/01/2003 faltava mais da metade do suposto prazo
prescricional de 10 anos, sendo evidente que as disposições aplicáveis são as do Código Civil de 2002, e não de 1916! Isto sem
contar que o prazo de 10 anos - do Código Civil de 1916 - era para ações reais entre presentes e não há malabarismo jurídico
que possa equiparar o contrato de abertura em conta corrente como direito real! O prazo era, portanto, vintenário (no Código
Civil de 1916) e nem cinco anos tinham-se passado quando entrou em vigor o Código Civil de 2002. Lança o BMD mão, então,
de sua tese subsidiária sobre a prescrição: o prazo qüinqüenal deveria ser contado desde 11/01/2003, e não desde 1998. Neste
ponto, assiste-lhe razão. O art. 206, §5º, inciso I, do novo Código Civil, previu prescrição qüinqüenal (sem correspondência no
Código Civil de 1916) para as dívidas constantes de documentos escritos, mas esta disciplina só pode ser aplicada a partir da
entrada em vigor do novo Código Civil, em razão do princípio geral da irretroatividade da lei, que não encontra exceção nesta
matéria. Assim, de 11/01/2003 até a citação - ocorrida em agosto de 2008 - ainda não havia fluído o prazo de cinco anos.
Afastada a preliminar, passo ao exame do mérito e consigno entender desnecessária, nesta fase, a perícia contábil, posto que
se pode, pela análise da documentação, concluir pela legalidade ou não dos valores lançados nos extratos e contratualmente
pactuados. Não houve utilização da Tabela Price, ao contrário do que alardeia a requerida. Basta o exame dos extratos e do
contrato para se observar que não foi estabelecido o clássico fluxo de pagamentos em idênticas parcelas, que caracteriza a
Price, para amortização de um débito previamente contraído. Ao contrário, a requerida e impugnante contratou a abertura de um
limite de crédito. Utilizou-se dele, ao emitir cheques que extrapolavam os fundos próprios depositados em conta, e passou a
incidir, sobre o débito assim gerado, mês a mês, correção monetária e juros. Não se trata de Tabela Price. Houve, isto sim,
capitalização mensal de juros. Como já dito, não é necessário ser contador ou economista para assim concluir; o próprio contrato
prevê a capitalização - embora de maneira velada - na dicção de suas cláusulas 7 e 8 (fls. 17) e os extratos demonstram que se
apurava o saldo devedor do mês, nele se incluíam juros e isto formava um saldo devedor para o mês seguinte. Esse valor global
(principal+juros do mês pretérito) servia como base de cálculo para os juros do mês sucessivo e, portanto, havia claramente o
cômputo de juros de forma capitalizada (fls. 24/28). A contratação de tal modo de computar os juros não se deu de maneira
clara, como é imperativo que seja, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, que se aplica à relação havida entre as
partes, e, ademais, violou a lei cogente que, antes da Medida Provisória 1.963-17, de 30/03/2000, substituída pela Medida
Provisória nº 2.170-36, de modo que, mesmo que abraçada a tese da constitucionalidade das medidas citadas, não se poderia
falar em permissivo legal para a capitalização de juros. A proibição legal de capitalização de juros decorre do estabelecido no
art. 4º do Decerto 22.626/33. A Súmula 121 do STF é taxativa quanto à impossibilidade de se cobrar juros sobre juros, ainda que
contratados. Assim, é a própria Súmula 121 que estabelece a prevalência da proibição legal sobre o contrato entre privados. A
discussão poderia, então, centrar-se na aplicabilidade da Súmula 121 às instituições financeiras, em face da Súmula 596 do
STF, que aparentemente poderia conflitar com a Súmula 121. Sendo o sistema jurídico, porém, dotado de organicidade, não há
que se falar em contradição, senão aparente, podendo ambas as orientações ser harmonizadas, como o vem fazendo a
jurisprudência de nossas mais altas cortes, conforme transcrito a seguir: “... É vedada a capitalização de juros, ainda que
expressamente convencionada (Súmula 121). Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras, dado que a
Súmula 596 não guarda relação com o anatocismo. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas
operações regidas por leis especiais que nela expressamente consentem” (RE 90.341, 26.2.80, 1ª. T STF, rel. Min. XAVIER DE
ALBUQUERQUE, in RTJ 92/1341). “... A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando
expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º. do Decreto no. 22.626/33 pela Lei no. 4.595/64. O
anatocismo, repudiado pelo verbete no. 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado no.
596 da mesma Súmula” (Resp. 1.285, 14.11.89, 4ª. T STJ, rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in JSTJ-TRF 6/1630).
“A contagem de juros sobre juros é proibida no direito brasileiro, salvo exceção dos saldos líquidos em conta-corrente de ano a
ano. Inaplicabilidade da Lei da Reforma Bancária (n. 4595 de 31.11.64). Atualização da Súmula no. 121 do STF” (Resp. 2.293,
17.4.90, 3ª. T STJ, rel. Min. CLÁUDIO SANTOS, in RSTJ 13/352). “Execução por título judicial. Mútuo hipotecário pelo sistema
BNH. A decisão recorrida contrapõe-se à Súmula 121, segundo a qual “é vedada a capitalização de juros, ainda que
expressamente convencionada”. Proibição que alcança também as instituições financeiras. No caso, não há incidência da lei
especial. Limites do recurso extraordinário. Provimento do recurso para excluir-se da condenação os juros capitalizados mês a
mês”. (RE 96.875, 16.9.83, 2ª. T STF, rel. Min, DJACI FALCÃO, in RTJ 108.277). Na interpretação conjunta da Constituição
Federal de 1988, da Lei nº 4.595/64 e do Decreto-Lei nº 22.626/33, as súmulas interpretativas são harmonizáveis, como ressalta
a jurisprudência supra citada. Isto porque a inaplicabilidade da limitação das taxas juros, então imposta pelo Decreto 22.626/33,
é que deixou de prevalecer com a edição da Lei nº 4.595/64, e não a vedação do anatocismo, que continua intacta. A Súmula nº
596 é clara ao evidenciar que não há aplicação quanto às taxas de juros, nada dispondo sobre a capitalização dos juros. São
duas coisas que não se confundem: uma, diz respeito ao percentual (taxa de juros) e outra, diz respeito à forma de aplicação de
tal percentual (juros compostos ou juros simples). Bastam noções mínimas de matemática para bem entender a diferença entre
elas. Vedada a capitalização, ainda que a credora seja instituição financeira, conforme acima explicitei, não pode ela ser aceita,
ainda que o contratante tenha com ela anuído. Mas, como já dito, a cláusula que descreve o mecanismo de cálculo do saldo em
conta não é explícita quanto à capitalização. Não há que se falar em pacta sunt servanda ou em ato jurídico perfeito, pois o ato
jurídico perfeito somente permanece intocável quando respeita rigorosamente a legalidade, o que não é o caso dos autos, já
que contrariado o dispositivo legal do art. 4º do Decreto 22.626/33, conforme interpretação que lhe foi dada pela Súmula 121 do
STF. Não se trata nem mesmo de teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic stantibus, pois o que se pretende não é modificar
as cláusulas de contrato de execução prolongada no tempo em função de sua onerosidade pela alteração imprevista de
circunstâncias, mas sim declarar a nulidade da contratação de juros compostos em face da vedação legal. Admitir-se-ia a
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º