TJSP 03/02/2011 - Pág. 2012 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 3 de Fevereiro de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IV - Edição 885
2012
de instrução e julgamento, em que foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo autor. Os patronos da ré Brasil e Movimento
renunciaram ao mandato, tendo comprovado a notificação da ré em 09 de novembro de 2009, sem que tenha havido nomeação
de novos patronos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Os pedidos iniciais devem ser julgados parcialmente
procedentes. A relação entre as partes é de consumo, já que o autor adquiriu o veículo da ré Sun-Up como consumidora final,
aplicando-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Por primeiro, afasto a alegação de decadência feita pela ré
Brasil e Movimento. O autor não se manteve inerte, tendo levado o produto para conserto na concessionária por diversas vezes,
sem sucesso. Ao constatar que o problema não seria solucionado pela ré Sun-Up, que lhe vendeu a moto, fez uma reclamação
perante o PROCON, dirigida à ré Brasil e Movimento, que dela teve inequívoco conhecimento, tanto que apresentou defesa
administrativa (fls. 46 a 51). Assim, não há que se falar em decadência. Superada esta questão, anoto que a primeira regra a ser
considerada para balizar o julgamento da causa é a do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a inversão
do ônus da prova, havendo verossimilhança nas alegações do consumidor e sendo ele hipossuficiente. É este o caso dos autos.
O autor alegou que a motocicleta adquirida apresentou vícios, sendo que competia às rés, em razão da inversão do ônus
probatório, provar a ausência destes vícios. Entretanto, a ré Sun-Up afirmou que não tinha interesse em produzir outras provas
e a ré Brasil e Movimento, apesar de ter requerido a produção de prova pericial, deixou de depositar os honorários do perito,
razão pela qual a prova não foi produzida. Sendo assim, deve ser reconhecida a existência dos vícios alegados pelo autor na
petição inicial, mesmo porque existe prova documental demonstrando que a motocicleta, adquirida em 25/07/2007, foi levada à
concessionária para conserto em 30/11/2007, 28/02/2008, 01/04/2008, 31/07/2008, 25/08/2008, 09/09/2008. A ré Sun-Up alegou
que algumas destas ordens de serviço referem-se às revisões da motocicleta. Mas não juntou a descrição dos serviços realizados
no veículo em cada oportunidade, prova que lhe competia fazer, mesmo porque é a detentora destes documentos. Por outro
lado, o documento de fls. 40 demonstra que, pelo menos em uma das oportunidades, a moto foi deixada na concessionária para
verificação da bateria, retificador e alternador e velocímetro, vícios que o autor alega terem sido recorrentes, impedindo a
tranqüila fruição do bem. Havendo vício de produto, aplica-se o disposto no artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, que
atribui ao consumidor o direito de, não sendo o vício sanado em 30 dias, obter a restituição da quantia paga, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos. As rés alegam que os vícios foram solucionados, tanto que o autor pôde rodar mais de 10.000Km
com a motocicleta. Entretanto, pelo número de vezes em que a moto foi levada para a concessionária dentro do exíguo período
de um ano logo após sua aquisição, fica evidente que os problemas apresentados eram solucionados apenas transitoriamente,
voltando a aparecer pouco tempo depois. Ora, ninguém adquire um veículo 0Km para a cada dois ou três meses ter que levar
para conserto na concessionária. Note-se que os vícios apresentados pela moto chegaram a impedir seu funcionamento, fato
comprovado pelos documentos de fls. 36 a 38, que demonstram que a moto teve que ser rebocada até a concessionária em três
oportunidades. Evidentemente que vícios que impeçam a utilização da moto são vícios que a tornam imprópria para consumo,
caracterizando os vícios de qualidade tratados no artigo 18 do CDC que autorizam o consumidor a exigir a restituição imediata
da quantia paga, tal como pretendido pelo autor. A ré Brasil e Movimento alega que não teve chance de sanar o vício no prazo
de 30 dias, como determinado no dispositivo legal em questão. Entretanto, verifica-se que foi notificada pelo PROCON e, em
sua defesa, limitou-se a negar a existência de vício ou defeito no produto, sem ao menos examiná-lo para atestar as alegações
do consumidor. Ademais, o produto já havia sido levado para conserto diversas vezes, sem solução definitiva do problema.
Lembre-se que pelo sistema do Código de Defesa do Consumidor, fabricante e comerciante são tratados como solidariamente
responsáveis pela solução dos problemas causados ao consumidor, não podendo a co-ré Brasil e Movimento esquivar-se de
sua responsabilidade, alegando que apenas o comerciante tinha conhecimento dos problemas alegados pelo consumidor. Anoto,
ainda, que a ré Brasil e Movimento, como fabricante, não realiza reparos nos produtos, tarefa que é exercida pelas concessionárias
que comercializam seus produtos. Assim, o autor só poderia mesmo ter levado a moto para conserto perante a ré Sun-Up,
concessionária que lhe vendeu o produto. Sendo assim e estando comprovado nos autos que o autor levou a moto para conserto
diversas vezes, sem solução definitiva dos vícios apresentados e notificou a ré Brasil e Movimento, por meio do PROCON, sem
que ela tenha tomado qualquer providência para sanar os vícios ou ressarcir o consumidor, deve ser acolhido o pedido de
desfazimento do negócio jurídico, com devolução do preço pago, mais perdas e danos. O autor comprovou que pagou pela
motocicleta o valor de 15.829,20, por meio de 12 prestações de R$ 1.319,10. Este é o valor que deve ser restituído ao autor em
função do desfazimento do negócio. Quanto aos danos materiais pleiteados, apenas pode ser acolhido aquele correspondente à
multa por excesso de velocidade, resultante do não funcionamento do velocímetro. Apesar da impugnação das rés, fato é que
há nexo de causalidade entre o não funcionamento do velocímetro e a multa aplicada, já que o autor não tinha como saber com
precisão qual a velocidade em que trafegava com a moto. Verifica-se do documento de fls. 42 que a velocidade máxima permitida
era de 100 Km por hora, sendo que o autor estava trafegando a 112 Km por hora, ou seja, apenas 12km acima do máximo,
indicando que não estava abusando da velocidade, mas apenas impedido de certificar-se dela em razão do não funcionamento
do velocímetro. Anoto que o autor pagou R$ 68,11 por referida multa e não R$ 85,13 como afirmado, conforme demonstra o
documento de fls. 154. Assim, este é o valor do dano material que deve ser ressarcido pelas rés. Quanto ao valor pago pelos
guinchos, não é possível o acolhimento de sua indenização, tendo em vista que o autor não juntou qualquer comprovante de
pagamento, tendo a ré Sun-Up afirmado que tais serviços eram pagos pela garantia do produto. Por fim, o autor faz jus a
indenização por danos morais, em razão dos transtornos sofridos por conta do não funcionamento do produto e por conta do
atendimento ineficiente prestado pelas rés. Não se trata de meros dissabores causados por problemas normais do cotidiano,
como querem fazer crer as rés, mas de transtornos efetivos, causados pela má conduta das rés, que poderiam ter agido de
forma diferente de modo a evitar os constrangimentos passados pelo autor. A começar pela frustração de adquirir uma motocicleta
0Km, pagar integralmente seu preço e não poder fruir tranquilamente do bem porque apresenta vícios insanáveis. Ora, o veículo
foi adquirido pelo autor para servir como meio de transporte para o seu trabalho. Por conta dos vícios apresentados, o autor
chegou atrasado ao trabalho, teve que se ausentar no meio do expediente para levar a moto à concessionária e chegou a deixar
a moto no local de trabalho, tendo que se utilizar de transporte público, porque aquela não funcionava. Tais são os fatos narrados
pelas três testemunhas do autor. Não há como se negar que a convivência com tais problemas pelo período de um ano causaria
a qualquer pessoa sofrimento, ansiedade, frustração, indignação, sentimentos estes que afetam a integridade psíquica e causam
efetivo dano moral. Relembro que tais sentimentos poderiam ter sido evitados caso as rés tivessem agido da forma devida,
trocando o produto do autor ao primeiro sinal de que apresentava vícios insanáveis. Portanto, a conduta negligente e recalcitrante
das rés foi a causa direta e imediata dos danos morais experimentados pelo autor, cabendo-lhes fazer a devida a reparação dos
mesmos. Os critérios que devem ser considerados na fixação do valor da indenização dos danos morais são a extensão do
dano, as condições pessoais do ofendido e do ofensor e a dupla finalidade de reparar os danos sofridos e punir o ofensor, a fim
de evitar a repetição da conduta indevida. Levando em conta tais critérios e considerando também os valores que têm sido
aplicados pela jurisprudência, fixo o valor de R$ 5.000,00 para indenização dos danos morais do autor. Diante do exposto,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para: A) resolver o contrato celebrado entre as partes; B) condenar
as rés na obrigação de devolver ao autor o preço pago pela motocicleta, correspondente às prestações pagas pelo autor, no
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º