TJSP 01/09/2011 - Pág. 2022 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 1 de Setembro de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IV - Edição 1029
2022
ré este informou que a documentação estava correta e que os policiais estavam errados, mas comprometeu-se a enviar os
comprovantes de pagamento pelo correio no mesmo dia; passados 04 dias, nenhuma providência foi tomada; que ele próprio
contratou um despachante para liberar o veículo e arcou com o valor do depósito, além de receber pontos na carteira; que não
mais utilizou o veículo, com medo de que esse fosse guinchado; que, além disso, constatou que passados 90 dias o gravame
ainda não havia sido retirado e que constava débito de IPVA no valor de R$ 262,38 e uma multa com data anterior à aquisição
do veículo (10/05/2010) no valor de R$ 85,12; que viajou até Osasco para resolver o problema, e após 20 dias conseguiu obter
o CRV, em 19 de setembro de 2010; que despendeu recursos para vir até Osasco, além de perder 22 dias de trabalho; ao
chegar em sua cidade tentou efetuar a transferência do veículo mas não conseguiu porque os dados estavam incorretos (ano de
fabricação não correspondia ao que estava no documento emitido pelo Banco Volkswagen); que foi tratado com descaso e
grosseria, sendo que o problema até a presente data não foi resolvido. Pede a condenação das rés na obrigação de fazer
consistente em assumir a pontuação lançadas indevidamente na CNH do autor; no ressarcimento dos danos materiais suportados
pelo autor, no importe de R$ 1.277,49, mais honorários do despachante no valor de R$ 100,00; no pagamento dos honorários do
advogado contratado pelo autor no valor de R$ 1.000,00; no ressarcimento dos danos morais no importe de R$ 10.200,00 (dez
mil reais); a declaração de inexistência da relação jurídica, em razão de vício oculto que não foi sanado no prazo legal, com a
devolução dos valor pagos corrigidos. Juntou documentos (fls. 19/105) Citada (fls. 108v), a primeira ré RUTHS KAR ofereceu
contestação (fls. 110/125), alegando, em síntese, que os defeitos apresentados pelo veículo são decorrentes do desgaste
natural; que o IPVA e o DPVAT foram pagos corretamente, nas datas dos seus vencimentos; que o erro no preenchimento do
CRV foi ocasionado por falha do Banco Volkswagen; que o autor não providenciou a transferência do veículo; que não são
devidos danos morais porque o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor ou de terceiros. Juntou documentos (fls. 139/157)
A segunda ré FREECAR foi citada (fls. 107 verso), mas deixou de oferecer contestação. Réplica a fls. 163/165. Na audiência de
instrução foi tomado o depoimento pessoal das partes e deferida a juntada de outros documentos. Alegações finais pelo autor a
fls. 190/194, e pela ré Ruths Kar a fls. 197/217. É o relatório. FUNDAMENTO e DECIDO. Apesar da ausência de alegação,
diante da revelia da segunda, é de rigor o reconhecimento da sua ilegitimidade passiva. Pela leitura da petição inicial, não é
possível extrair nenhum fato causador de dano que possa ser imputado à ré Freecar Locadora Ltda. Esta não é mais do que a
anterior proprietária do veículo, e cumpriu com o seu dever de autorizar a transferência do veículo. O autor firmou relação
jurídica unicamente com a primeira ré, que se comprometeu a entregar o DUT, que declarou ter entregue a documentação
necessária para o autor circular em território nacional e que teria, segundo o autor, descumprindo com as obrigações assumidas
e prestado o mau atendimento. Por esses motivos, reconheço, de ofício, a ilegitimidade passiva da segunda ré. No mérito, a
ação é parcialmente procedente. Apesar da extensa seqüência de eventos relatados pelo autor, a presente lide cinge-se ao
descumprimento de cláusula contratual consistente na transferência do veículo para o nome do autor, bem como no
descumprimento do dever de entrega do veículo com os débitos de IPVA e multas quitados, com a documentação necessária, o
que tornou o bem adquirido impróprio para a utilidade a que se destinava. Consta expressamente do contrato que o DUT,
documento necessário para a transferência do veículo, seria entregue no prazo de 60 dias. Contudo, segundo o autor, o preposto
da ré teria prometido a entrega do documento de transferência no prazo de 05 dias, não obstante o prazo estipulado no contrato
de 60 dias. De qualquer forma, os documentos juntados aos autos provam que o DUT foi entregue em prazo superior a 90 dias
da data do contrato, o que teria gerado prejuízo para o autor. Ademais, consta dos autos que o autor teve o seu veículo
apreendido, no dia 13/07/2010, em razão de não constar CRLV do veículo de 2009 quitado (fls. 28). Dessa forma, a ré não teria
cumprido a obrigação de entregar ao autor a documentação necessária e em ordem para a circulação em território nacional.
Para esquivar-se da responsabilidade por esse fato, a ré intenta transferir a culpa para os policiais rodoviários, alegando que
estes agiram de forma equivocada, pois o pagamento do IPVA estava em dia. Todavia, como qualquer ato administrativo, a
autuação efetuada pelos policiais rodoviários goza de presunção de legitimidade e veracidade, sendo que consta expressamente
débito de IPVA em aberto. Por sua vez, a ré não logrou provar que a doumentaçao do veículo estava regular na data da
autuação, já que o documento de fls. 143 foi emitido em 16/01/2009, conforme provou a autora a fls. 182/183. Dessa forma,
deverá indenizar os prejuízos causados autor, bem como assumir a pontuação na CNH do autor. Por fim, existe a promessa, não
negada pela ré, de dar baixa no gravame pendente sobre o veículo. De fato, a ré entregou ao autor, juntamente com o DUT, uma
carta de quitação do Banco Volkswagen para permitir ao autor dar baixa no gravame e efetuar a transferência do veículo.
Contudo, a transferência não foi possível, em razão da divergência de dados entre a carta de quitação e os documentos do
veículo. Aqui, mais uma vez, a ré procura esquivar-se da responsabilidade, transferindo a culpa para o Banco Volkswagen.
Contudo, na qualidade de fornecedora, enquanto mediadora da venda de veículos usados, a ré tem a obrigação de zelar pela
correção dos documentos entregues ao autor, sendo inadmissível a transferência dessa responsabilidade para terceiros.
Ademais, em virtude da solidariedade estipulada pelo Código de Defesa do Consumidor, o autor poderia voltar-se apenas contra
a ré ainda que se entenda que o Banco Volkswagen tenha alguma culpa pelos fatos ocorridos. O valor dos danos materiais não
foram contestados pela ré, devendo ser acolhido integralmente. Contudo, a ação não procede no que tange à rescisão do
contrato. Com efeito, não foi provado nenhum vício oculto do bem adquirido, já que a ausência de transferência enquadra-se da
hipótese de inadimplemento contratual relativo, ou seja, ainda passível de adimplência, não obstante a mora. Os alegados
vícios no veículo tratam-se de mero desgaste natural em um veículo usado, e a alegação de alteração no hodômetro não é
verossimilhante e nem foi provada pelo autor. Saliento que a ré juntou, com as alegações finais, o documento necessário para
dar baixa no gravame existente sobre o veículo, e, assim, permitir a transferência. Tal documento poderá ser desentranhado e
retirado pelo autor, mediante a substituição por cópia simples. Com relação ao dano moral, não vislumbro a sua ocorrência, uma
vez que, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame,
sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo,
causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou
sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto tais situações não são intensas e duradouras, a ponto
de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”.(...) (REsp 844736/DF, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Relator p/
Acórdão Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DES. CONVOCADO DO TJ/AP), QUARTA TURMA, Data do
Julgamento 27/10/2009, Data da Publicação/Fonte DJe 02/09/2010). Os fatos relatados pelo autor são normais em situações de
inadimplemento contratual como a ora verificada, não sendo possível estabelecer o nexo de causalidade entre a pressão alta do
autor e o descumprimento contratual. Em face ao exposto, com fundamento no artigo 267, VI do CPC julgo extinta a ação em
face da ré FREECAR LOCADORA LTDA, sem sucumbência em razão da revelia da ré; ademais, com fundamento no artigo 269,
I do CPC, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar a ré RUTHS KAR AUTOMÓVEIS LTDA no ressarcimento dos
danos materiais causados ao autor, no valor de R$ 1.377,49 (mil trezentos e setenta e sete reais e quarenta e nove centavos),
corrigido monetariamente pelo índice da Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo e acrescido de juros moratórios de
1% ao mês desde de o desembolso dos valores pelo autor até a data do efetivo pagamento, bem como na obrigação de assumir
a pontuação na CNH do autor em função da penalidade imposta em 13/07/2010, bem como de fornecer os meios necessários
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º