TJSP 04/11/2011 - Pág. 2013 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Sexta-feira, 4 de Novembro de 2011
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano V - Edição 1070
2013
451.01.2010.031659-4/000000-000 - nº ordem 1957/2010 - Declaratória (em geral) - FABIARA RAIZER X ABN - AMRO
AYMORÉ FINANCIAMENTOS - Vistos. FABIARA RAIZER moveu a presente ação revisional de contrato contra AYMORÉ
CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A, alegando, em síntese, ter firmado contrato de financiamento de veículo,
em que existe capitalização indevida, fruto da aplicação da Tabela Price, pretendendo a revisão do contrato para efetuar o
pagamento das parcelas em valor menor e devolução dos valores pagos a maior. A tutela antecipada foi deferida para depósito,
mas sem poder liberatório. Houve contestação, com preliminares e pedido de improcedência (fls. 76/92) e réplica (fls. 99/110). É
o relatório. O feito comporta julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, pois as
questões ora discutidas são unicamente de direito e as fáticas independem de prova em audiência. Rejeita-se a preliminar de
impossibilidade de discussão por aplicação do artigo 174 do Código Civil, porque a questão aqui não diz respeito a anulação do
contrato, decorrente de vício do negócio jurídico, mas sim à sua nulidade, em função de suposta ilegalidade. A outra preliminar
se confunde com o mérito e assim será apreciada. No mérito, a ação é improcedente. Conquanto se reconheça a aplicabilidade
da Lei nº 8.078/90 às relações envolvendo as instituições financeiras, por força do art. 3o, § 2o, da referida lei, forçoso é
reconhecer que essa subsunção dos fatos àquela espécie normativa não autoriza, por si só, a revisão do contrato nos termos
em que pretendido pela autora. Isso porque reconhecimento desse porte implicaria admitir, por vias transversas, infringência ao
comando constitucional que estabelece como garantia individual o respeito ao ato jurídico perfeito, encerrando cláusula pétrea,
dada sua impossibilidade de modificação mesmo por emenda constitucional. É preciso pôr cobro à idéia de que a legislação do
consumidor foi editada com o intuito de autorizar o descumprimento dos contratos ou sua modificação por completo, mutilandoos e esfacelando-os. A tanto, sequer é preciso recorrer ao texto constitucional, bastando a singela leitura do artigo 4o, III, da Lei
nº 8.078/90, que erige o equilíbrio entre consumidores e fornecedores como uma das metas da política nacional das relações de
consumo. Por isso, a verificação da infringência ao interesses do consumidor deve ser feita pontualmente e não de forma
genérica, albergando todos os aspectos da relação entre a autora e o réu. Em outras palavras, a regra é que deva ser obedecido
o princípio “pacta sunt servanda”, na esteira do assinalado pelo Professor Orlando Gomes: O princípio da força obrigatória
consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos os pressupostos
e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais
imperativos. O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Estipulado
validamente seu conteúdo, vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas cláusulas têm, para os
contratantes, força obrigatória Não se pode presumir, de forma abstrata, que o aderente de contrato de adesão seja pessoa
sempre insciente do que assina, como se fosse um parvo ou ignorante, destituído de qualquer conhecimento. Entendimento
nesse sentido implica a falência do sistema contratual, pois na sociedade de massas em que vivemos, a regra é a celebração de
contratos de adesão, figurando num dos pólos, normalmente, pessoa jurídica, daí não decorrendo, por si só, a nulidade do
acordo pactuado ou de suas cláusulas. A parte autora (mutuária) admite expressamente que celebrou um contrato de
financiamento de veículo a ser pago em parcelas mensais e iguais, do que se força concluir inexistir qualquer efeito surpresa ao
mutuário. Ademais, do contrato livremente firmado, extrai-se que a parte autora livremente pactuou pagar pelo empréstimo
tomado a ser quitado regularmente em parcelas fixas, com juros prefixados, de forma a se afastar suas alegações de desequilíbrio
contratual e de onerosidade, pois em verdade, desde o nascedouro da celebração do contrato sabia a parte autora, muito bem,
quanto tinha de pagar para atingir a esperada e regular quitação normal, dado que as parcelas eram fixas e de prévio
conhecimento da parte autora, não podendo se falar agora em abusividade de juros remuneratórios porque livremente
contratados. No caso em apreço, como já ressaltado, apesar de serem aplicáveis os ditames do Código de Defesa do
Consumidor, não se verifica no contrato pactuado qualquer abusividade em suas disposições quanto aos valores cobrados nas
prestações fixas e com juros remuneratórios predefinidos, pois os valores exigidos pela parte requerida não causam ao mutuário
qualquer surpresa, onerosidade ou desvantagem, isto é o contrato celebrado não afeta e quebra a boa-fé objetiva nem o princípio
da transparência até porque desde o inicio sabe o mutuário quanto irá pagar. No caso concreto impõe-se a aplicação do
entendimento contido nas Súmulas nº 596 do STF e nº 382 do STJ que tratam, respectivamente, da inaplicabilidade das
disposições de Decreto nº 22.626/33 às taxas de juros e aos outros encargos nas operações realizadas por instituições que
integram o sistema financeiro nacional e da não abusividade da estipulação de taxas remuneratórias de juros superiores a 12%
ao ano, observado que inexiste há muitos anos qualquer limite. Ademais, infere-se que não há nenhuma irregularidade no
cálculo das parcelas cobrado da parte autora, relativamente às parcelas fixas ajustadas em condição de adimplemento e
normalidade, consistentes nos valores atribuídos pela parte requerida às parcelas fixas livremente ajustadas acima indicadas,
observado que a parte autora mutuária teve plenas condições de conhecer a formação do custo efetivo total do contrato,
evidenciando-se que o valor pactuado cabia em seu orçamento de forma a poder pagar as parcelas pactuadas, no que a
pretensão de pagar valor inferior não satisfaz ao adimplemento regular do contrato, pois acarretaria em enriquecimento sem
causa do mutuário. Com relação à ilegalidade da utilização da Tabela Price para cálculo dos juros e a suposta capitalização de
juros, esclarece a jurisprudência: “No que diz respeito à “Tabela Price”, o que há é muitaconfusão acerca do que seja o “Sistema
Francês de Amortização”, conhecido no Brasil como “Sistema da Tabela Price”, ou simplesmente “Tabela Price”. O aludido
sistema de amortização, o francês, foi adaptado pelo matemático, filósofo e teólogo inglês Richard Price, que viveu no século
XVIII, sistema este que incorporou a teoria dos juros compostos às amortizações de empréstimos (ou financiamentos). A grande
novidade do sistema é que permite sejam iguais às prestações periódicas, sendo que cada prestação é composta por duas
parcelas distintas: uma de juros e outra de capital (chamada amortização). Essas parcelas distintas variam de valor (quantia
maior de juros e menor de capital), mas nunca excedem o valor total de cada prestação, sempre igual. É esta incorporação da
teoria dos juros que tem dado margem a toda confusão conceitual que hoje se faz sobre o anatocismo que tal sistema
incorporaria. O anatocismo vedado pela legislação pátria, porém, é aquele em que: os juros incidem sobre o capital inicial,
acrescido de juros acumulados até o período anterior. É a chamada capitalização composta, regime no qual o valor dos juros
cresce em função do tempo. Na “Tabela Price”, todavia, isto não acontece porque os juros cobrados mensalmente são calculados
sobre o capital inicial, e amortizados por parte da prestação mensal. Em outras palavras, a diferença entre a prestação paga e o
valor dos juros calculados no mês são amortizados daquele capital inicial, o que dá margem ao surgimento de um novo capital
“inicial” (menor), que é exatamente o saldo devedor de capital, sobre o qual incidirão os juros vincendos. Não há, assim, juros
sobre juros, ou capitalização composta. O cálculo se faz por uma fórmula complexa de Matemática Financeira, que não vem ao
caso. Interessante é notar que essa tese da capitalização composta na “Tabela Price” é recente, ao menos nos Pretórios. Não
seria de se estranhar que, fosse a tese verdadeira e tendo sido a tabela utilizada por décadas, nenhum especialista em
Matemática Financeira tenha denunciado o propalado anatocismo “Urbi et Orbe”? Será que algo tão elementar para tais
especialistas teria passado despercebido? Não é crível.” (Agravo de Instrumento nº 0012972-90.2009.8.26.0000 - Relator(a):
Silveira Paulilo - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: 21ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 19/08/2009 - v.u.)
Restam portanto, devidos os valores cobrados pelo requerido nos seus patamares lançados nos autos conforme contrato,
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