TJSP 19/04/2012 - Pág. 2015 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 19 de Abril de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano V - Edição 1167
2015
- ADV LUIZ MANOEL GOMES JUNIOR OAB/SP 123351 - ADV MARIANA DE CASTRO SQUINCA TENORIO OAB/SP 279626 ADV CHARLES BIONDI OAB/SP 201352
415.01.2011.000404-3/000000-000 - nº ordem 99/2011 - Procedimento Ordinário (em geral) - GENOEFA GAZOLA ARAGÃO
X PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE PALMITAL - Fls. 99/107 - VISTOS. GENOEFA GAZOLA ARAGÃO, devidamente qualificado
nos autos, ajuizou “Ação Ordinária de Reconhecimento de Direito c/c Constituição de Obrigação de Fazer com pedido de Tutela
Antecipada” contra O MUNICÍPIO DE PALMITAL, pessoa jurídica de direito público igualmente qualificada nos autos, alegando,
em síntese, que é portadora de doenças do coração, mais especificamente, “baixa amplitude do QRS em derivações inferiores
e hipertrofia concêntrica do VE de grau discreto”. Ainda, afirmou que também é portadora de artrose e ainda, de problemas no
cérebro. Afirmou que em razão das patologias acima mencionadas, necessita de medicamentos específicos, de uso contínuo, os
quais não tem condições de adquirir sem prejudicar seu próprio sustento e o de sua família, já que seus rendimentos se mostram
insuficientes para arcar com os custos de seu tratamento e dos remédios. Alegou que buscou o fornecimento gratuito dos
medicamentos dos quais necessita junto ao Departamento Municipal de Saúde, obtendo a negativa de fornecimento dos
remédios pleiteados naquele órgão. Diante disso, ajuizou a presente demanda e pleiteou a tutela antecipada para a concessão
imediata dos medicamentos que foram negados pelo Município, ainda que vierem a serem substituídos, sob pena de multa
diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por mês, em caso de descumprimento e, ao final, a procedência do pedido, com o
reconhecimento do direito da autor para obter da Municipalidade, de forma gratuita, todos os medicamentos receitados por
médicos, mesmo que não conste do rol da Secretária do Estado da Saúde. Com a inicial, juntou procuração e documentos (fls.
12/26). A tutela antecipada foi concedida às fls. 31/34. Citado (fls. 39), o Município de Palmital apresentou contestação às fls.
40/49. Inicialmente, impugnou o valor da multa diária fixada para hipótese de descumprimento da liminar. Prosseguindo, afirmou
que, de fato, o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) é universal, mas esse atendimento deve seguir as normas que o
regulamentam, e quanto à integralidade da assistência, ela deve se pautar por regulamentos técnicos, protocolos de condutas,
recursos financeiros e planejamento centrado. Sustentou que a responsabilidade pelo fornecimento de medicamentos de alto
custo é do Estado e não do Município, sendo este parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente demanda. Aduziu,
ainda, que as liminares concedendo medicamentos para pacientes que não estão sob tratamento do SUS e que não estão em
protocolos, transformam o SUS em farmácia, não sendo possível também que médicos que não integram a rede do SUS
prescrevam a seus pacientes medicamentos, exames, procedimentos que devam ser feitos pelo SUS. Por esses fundamentos,
requereu a total improcedência dos pedidos deduzidos na inicial, com as condenações devidas. O autor se manifestou sobre a
contestação (fls. 67/74). Instadas a se manifestarem sobre as provas que efetivamente pretendiam produzir, as partes requereram
o julgamento imediato do mérito (fls. 86/87 e 89). O Ministério Público se manifestou pela procedência do pedido inicial,
confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida. É o relatório. Passo à fundamentação. Não tendo as partes manifestado
interesse na produção de novas provas, passo ao julgamento imediato do mérito. O pedido formulado na inicial é parcialmente
procedente. De fato, nos termos do artigo 196 da Constituição Federal a saúde é direito de todos e dever do Estado, prevendo,
ainda, a Lei Maior em seu artigo 198 um sistema único de saúde, organizado de acordo com as diretrizes que estabelece,
merecendo destaque, o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas” (inciso II). Por força dos
dispositivos supracitados, assim como do direito fundamental à vida, e do princípio da dignidade da pessoa humana, que se
trata inclusive de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, é imperioso reconhecer que a concessão de tratamento
de saúde adequado a quem dele necessita é uma das formas de concretização da Constituição Federal. Sendo assim, é
importante observar que questões burocráticas e orçamentárias não são justificativas razoáveis para não concessão de
medicamentos quando estes são necessários à preservação de direitos fundamentais como a saúde e a vida. Ora, como aludido
anteriormente, a saúde é dever do Estado, não podendo este eximir-se de sua responsabilidade, com a simples argumentação
de que não tem recursos financeiros para tanto, sob pena de este seu comportamento omissivo caracterizar uma
inconstitucionalidade. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Os arts. 196 e 227 da CF/88 inibem a
omissão do ente público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em garantir o efetivo tratamento médico à pessoa
necessitada, inclusive com o fornecimento, se necessário, de medicamentos de forma gratuita para o tratamento... O Estado, ao
negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a
cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário
e insensível” (RMS23184/RS, julg. 27/02/2007, Relator Ministro José Delgado) Ainda: “1. É dever do Estado assegurar a todos
os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto. 2. Eventual ausência do cumprimento de formalidade
burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores
de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento. 3. Entendimento consagrado
nesta Corte na esteira de orientação do Egrégio STF. 4. Recurso ordinário conhecido e provido” (RMS nº 11.129-0-PR, Rel. Min.
Francisco Peçanha Martins. 2ª T., v.u., j. 02.10.2001). No mesmo esteio, afirma o Supremo Tribunal Federal: “O direito à saúde
além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por
omissão, em censurável comportamento inconstitucional”. (RE 241.630- 2/RS, Rel. Celso de Mello) Pois bem, a prova coligida
nos autos deixou claro que a autora é portadora de doenças graves e que em decorrência destas necessita de medicamentos
específicos que devem ser ministrados de forma contínua (fls. 20/23). Porém, ao solicitar o fornecimento dos medicamentos de
que necessita (fls. 24), a autora obteve como resposta a impossibilidade do fornecimento dos medicamentos “Ebix 10 mg cp”,
“Exit cp”, “Glucoreumin (saches)” e “Lyrica 75mg” pois não fazem parte da padronização do Município de Palmital e também não
fazem parte do Programa de Dispensaçao de Medicamentos especiais do Governo Federal (fls. 25). Ocorre que, dada a
oportunidade para as partes requererem a produção de novas provas, pleitearam pelo julgamento imediato do mérito. Nessa
medida, a prova constante da inicial deve prevalecer, já que não houve prova contrária a indicar que a autora não necessita dos
medicamentos a ela receitados ou, ainda, que os medicamentos disponibilizados pelo Município réu podem substituir, sem
prejuízo da paciente, aqueles receitados pelo seu médico. Em assim sendo, ante as razões de fato e de direito expostas,
forçoso reconhecer a prevalência dos direitos fundamentais à saúde e à vida frente às questões formais de concessão de
medicamentos pelo Estado. Por fim, cumpre observar, porém, que, estando-se diante de tratamento contínuo, não padronizado
e prescrito por tempo indeterminado, imperioso assegurar ao Município a possibilidade de averiguar a necessidade de
continuação do tratamento e/ou da utilização das medicações específicas, bem como a possibilidade de se providenciar sua
substituição por tratamento ou medicações disponíveis e padronizadas pela rede pública de saúde. A medida justifica-se não só
para evitar riscos ao paciente, mas também para não ferir o princípio da isonomia, considerando os inúmeros cidadãos sujeitos
ao sistema da rede pública, muitos em situação análoga, que são examinados e tratados pelos medicamentos ordinariamente
fornecidos. Assim, a continuidade do tratamento deverá ser feita mediante apresentação periódica de receita médica atualizada
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