TJSP 16/07/2012 - Pág. 2022 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Segunda-feira, 16 de Julho de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano V - Edição 1224
2022
para tanto, apresentou cópia da cédula de crédito bancário decorrente do contrato de financiamento encetado com a requerida
(fls. 08/09). A requerida apresentou defesa a fls. 15/21. No mais, dispensado o relatório nos termos do artigo 38, caput, da Lei
9.099/95. FUNDAMENTO e DECIDO. Cuida-se de pedido de restituição de tarifas indevidamente pagas pelo requerente em
virtude do financiamento de um veículo automotor. Alega o autor que tais tarifas foram embutidas indevidamente no valor das
parcelas, sustentando representarem indevida vantagem auferida pela instituição financeira. A requerida apresentou contestação
sustentando a legalidade da cobrança das tarifas impugnadas. Consoante cópia da cédula de crédito bancária encartada a fls.
08/09 verifica-se que, dentre as cobranças aduzidas na inicial, foram efetivadas, na contratação com o autor, serviço
correspondente não bancário (R$ 750,00) e pagamento de serviço de terceiros (R$ 508,30). Na tentativa de moralizar as
operações de crédito que englobam os financiamentos de veículos o Banco Central baixou a resolução 3517, de dezembro de
2007, que passou a valer em 03 de março de 2008, e dispõe sobre a informação e a divulgação do custo efetivo total
correspondente a todos os encargos e despesas de operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, contratadas
ou ofertadas a pessoas físicas. A resolução obriga que todas as instituições financeiras entreguem aos clientes um documento
chamado Custo Efetivo Total (CET), e nele, o consumidor tem descrito em detalhes tudo o que está pagando: o valor financiado,
os juros, impostos, taxas, seguros, entre outros, incluindo até os chamados “serviços de terceiros”, onde deverá estar mencionada
a taxa de retorno. Cabe assinalar que a resolução não proíbe a utilização de taxas de retorno ou outros adicionais, no entanto,
deve ser deixado bem claro ao consumidor tudo o que ele está pagando por meio do Custo Efetivo Total (CET) que deve ser
entregue ao cliente antes da contratação da operação de crédito. No entanto, a ausência de proibição, pelo Banco Central, não
induz à legalidade das cobranças encetadas, as quais são abusivas face ao Código de defesa do Consumidor. No tocante e
indevida a cobrança a título de “serviços de terceiros”, vez que sequer é mencionado qual tipo de serviço está sendo cobrado,
mas a se tomar pela prática de cobrança em contratos similares, vislumbra-se tratar-se de “taxa de retorno” paga ao vendedor
do veículo financiado em virtude da indicação da instituição financeira como operadora de crédito a fornecer o valor necessário
para a aquisição do automóvel. Assim sendo, a taxa de retorno ou serviço de terceiro, como consignado na cédula de crédito
bancário, é uma espécie de comissão que o banco ou financeira paga ao lojista em razão do financiamento engajado por meio
de sua intermediação ou indicação, funcionando como uma forma de fidelização entre instituição financeira e lojista. Abusiva a
cobrança de taxa de retorno, aqui designada serviço de terceiro, vez que ilegal a prática de cobrar de clientes as despesas
relativas aos custos do financiamento. É o próprio banco quem deve arcar com tal despesa até porque taxa de retorno
corresponde ao valor de uma comissão paga ao lojista por indicar determinada instituição financeira como agente financiador,
nada tendo a ver tal comissão com o custo do bem a ser adquirido, ou mesmo com o custo do financiamento do bem. Melhor
analisando a hipótese, o consumidor paga a “tarifa” ou “taxa de retorno”, embutida nas parcelas do financiamento porque aceitou
financiar o bem adquirido do lojista pela financeira que trabalha em parceria com ele, sem olvidar que, em geral, o financiamento
é encetado no interior da própria agencia vendedora do veículo, tudo a praticamente impedir que o consumidor contrate em
outro lugar o financiamento de seu automóvel, e ainda paga mais por isso sob os auspícios de vantagens e facilidades. A
cobrança de tal tarifa é abusiva nos termos do artigo 39, V, CDC e a cláusula que autoriza sua cobrança nula de pleno direito
nos termos do artigo 51, IV, XV do CDC. O mesmo se diga com relação à tarifa de emissão de carnê (TEC), ou, como mencionado
na cédula de fls. 08/09, “Serviço Recebido por Parcela”, pois a instituição financeira tem o dever contratual e legal de fornecer
ao consumidor e seu cliente recibo das parcelas pagas do financiamento e, assim, cabe-lhe remeter as folhas do boleto para
compensação bancária, que servem de recibo de pagamento, não lhe sendo lícito repassar o custo desta operação ao
consumidor. O valor de R$ 750,00, intitulado “Serviços Correspondente Não Bancário” provavelmente refere-se à (TEC) Tarifa
de emissão de carnê, diluído nas parcelas do financiamento. Ainda que assim não seja, o valor é igualmente improcedente vez
que se constitui em serviços de terceiros, prestados em prol da Instituição Financeira, cujo custo fora indevidamente repassado
ao consumidor. As cobranças indevidas ainda se revestem de maior abusividade e sem possibilidade de ingerência do
consumidor porque insertas em contrato de adesão. Tendo sido o contrato de financiamento encetado por meio de contrato de
adesão, há que se desbastar o excesso contratual do valor mais elevado, para se aplicar a eqüidade. Carlos Maximiliano delineia
as diretrizes de interpretação do contrato de adesão: a) contra aquele em benefício do qual foi feita a estipulação; b) a favor de
quem a mesma obriga e, portanto, em prol do devedor e do promitente; c) contra o que redigiu o ato ou cláusula, ou melhor,
contra o causador da obscuridade ou omissão” (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, pág. 351). Além dessa interpretação
favorável ao aderente, deve ser levada em consideração a relação de consumo existente entre o mutuário e a instituição
financeira, aplicando-se para tanto o disposto no art. 47 da Lei n° 8.078/90 que estabelece: “As cláusulas contratuais serão
interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Ao Direito cabe a tarefa de impor o equilíbrio nas relações contratuais
e a Justiça a de interpretar a manifestação de vontade das partes. A propósito do tema, não foi inutilmente que se inseriu no
Código Civil Brasileiro a disposição do art. 85, in verbis: “As declarações de vontade se atenderá mais a sua intenção que ao
sentido literal da linguagem”. Para tanto, o absolutismo do pacta sunt servanda, herdado do Direito Canônico, cede espaço de
forma crescente para limitação da autonomia da vontade, submete-se o instrumento ao princípio do dirigismo contratual. O
Código de Defesa do Consumidor é um exemplo típico da intervenção do Estado nas relações contratuais, plenamente justificável
pela predominância dos “métodos de contratação em massa”, na expressão de Enzo Roppo, na obra “O Contrato”, pág. 313. No
contrato de adesão o seu conteúdo é preestabelecido por uma das partes, restando à outra somente a possibilidade de aceitar
em bloco as cláusulas estabelecidas, sem poder modificá-las substancialmente, ou, então, recusar o contrato e procurar outro
fornecedor de bens. Assim, os consumidores que desejarem contratar com a empresa ou mesmo com o Estado já receberão
pronta e regulamentada, geralmente em formulários impressos, a relação contratual, seus direitos e obrigações, não havendo
negociação contratual dos termos desse contrato. Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar (muitas vezes sem sequer ler
completamente) as cláusulas do contrato, assumindo um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no
instrumento contratual massificado”(“Direito do Consumidor”, vol. 1, Ed. Revista dos Tribunais; “ ‘’Novas Regras sobre a Proteção
do Consumidor das Relações Contratuais”, Cláudia Lima Marques, pág. 30) . O artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor
define o contrato de adesão como aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo. Assim, as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que não o forem, e que as partes tiverem admitido. As
antecedentes e subseqüentes que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas. Nos casos duvidosos, decidir-se-á em favor
do devedor. No caso dos autos, o que se verifica é a cobrança a título de tarifa de emissão de carnê e pagamento de serviço de
terceiros que, de fato, encareceram o financiamento contratado em cerca de R$ 1258,30 (fls. 08/09), em consonância com a
estipulação prevista na inicial. Assim, de rigor a declaração de nulidade das cláusulas que possibilitam a cobrança de tais tarifas
posto serem abusivas, não tendo sido dada oportunidade ao consumidor para discutir tais cláusulas, insertas no contrato de
adesão e que representam custos do serviço de concessão de financiamento que deve ser suportado pela instituição financeira.
Neste sentido: “CONTRATO - Financiamento - Relação de consumo caracterizada - Possibilidade de discussão das cláusulas
contratuais - Princípio do ‘pacta sunt servanda’ que não é absoluto - Integração da relação contratual pelo Judiciário para
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º