TJSP 19/07/2012 - Pág. 724 - Caderno 2 - Judicial - 2ª Instância - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 19 de Julho de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 2ª Instância
São Paulo, Ano V - Edição 1227
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APELAÇÃO ação civil pública preliminares afastadas- necessidade de tratamento paciente portadora de Miopatia Mitocondrial
juntada aos autos de receituário médico idôneo comprovando a necessidade de utilização dos medicamentos falta de condição
financeira para seu custeio dever constitucional do Estado, em seu sentido amplo- Recursos desprovidos. Tratam-se de recursos
de apelação e “ex officio”, extraídos dos autos da ação civil pública (Autos nº 3092/10), interpostos contra a r. sentença (fls.
80/85), proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Ribeirão Preto, Dr. Júlio César Spoladore
Dominguez, que julgou o pedido procedente, para que a ré forneça os medicamentos COENZIMA Q 10, VITAMINA B1 e
VITAMINA B2 à Sra. Nadir Germando Moreira. Entendeu o juiz a quo que é dever de todos os entes federados cuidar da saúde
e assistência pública, conforme dispõe o artigo 196 da Constituição Federal. Não houve condenação em custas e honorários
advocatícios. A Fazenda Pública interpôs apelação (fls. 86/91) alegando, preliminarmente, ilegitimidade ativa e passiva. No
mérito alega que o fornecimento dos medicamentos pleiteados não está padronizado para a distribuição pela rede pública e que
a Administração deve priorizar o atendimento à coletividade. Foram apresentadas contrarrazões às fls. 94/100. O Ministério
Público de 2ª instância manifestou-se às fls. 104/112. Vieram os autos à conclusão. É o relatório. Inicialmente, afasto a preliminar
de ilegitimidade ativa do Ministério Público. O interesse público a ser tutelado é aquele que se identifica com o interesse da
coletividade em geral ou parcela dela, aí incluídos os interesses difusos, os coletivos, os individuais homogêneos e os individuais
indisponíveis, nessa última categoria, incluídas as normas de ordem pública. Assim dispõe a Carta Magna, no artigo 129, III, que
a Ação Civil Pública somente pode ser promovida, dentre outros, para proteção de interesses difusos e coletivos, que se frise
são inexistentes na presente demanda. E o artigo 127, do mesmo diploma legal, com relação à função jurisdicional do Ministério
Público expressa ser da sua competência a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, portanto cabível a presente
ação. O Ministério Público propôs Ação Civil Pública em favor do interesse de determinada cidadã, qual seja, Sra. Nadir Germano
Moreira, conforme consta na petição inicial às fls. 02. A enferma não possui condição financeira para adquirir os medicamentos
de que necessita e, se não atendida sua necessidade, terá sua saúde agravada, pois tem mal de miopatia mitocondrial. A saúde
e a vida são bens indisponíveis, de modo a assegurar a legitimidade ativa do Ministério Público para propor a presente ação,
como tem decidido reiteradamente esta 5ª Câmara de Direito Público. A presente demanda tem por referência pessoa enferma
e, excepcionalmente, deve ser aceita a legitimidade do Ministério Público, bem como a adequação da via eleita. A preliminar de
ilegitimidade passiva também deve ser afastada, pois é dever também do Estado promover o direito constitucional do indivíduo
a ter pleno acesso aos meios que lhe proporcionem a saúde, de modo que, eventuais questões relacionadas aos repasses e
utilização de recursos públicos devem ser resolvidas pelos próprios entes estatais. Aliás, o artigo 198, da Constituição Federal
estabelece a responsabilidade do Estado no fornecimento de medicamento, insumos e/ou dieta especial e equipamentos. Tratase, portanto, de responsabilidade solidária, não havendo que se falar em responsabilidade apenas do Município e/ou apenas do
Estado, e menos, ainda, em denunciação da lide à União. Esse é o entendimento deste E. Tribunal, conforme Súmula 29:
“Inadmissível a denunciação da lide ou chamamento ao processo na ação que visa ao fornecimento de medicamentos ou
insumos.” É obrigação do Estado dar cumprimento ao disposto no artigo 196, da Constituição Federal, uma vez que integra o
Sistema Único de Saúde. Aliás, a incompetência do Estado na área da saúde não se dá por falta de recursos, pois consta que
35% do preço da maioria dos medicamentos são tributos estatais, ou seja, de cada três comprimidos vendidos um reverte para
o Estado. Convém, ainda, lembrar e ressaltar que o artigo 23, II, da Constituição Federal confere ao Estado e ao Município a
competência para cuidar da saúde e assistência pública da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. Ademais,
a Súmula 37 deste E. Tribunal enuncia que: “A ação para o fornecimento de medicamento e afins pode ser proposta em face de
qualquer pessoa jurídica de Direito Público Interno.” No mais, havendo relatórios e prescrições médicas idôneas, conforme fls.
16/18 não há qualquer dúvida quanto à necessidade do tratamento para a saúde e vida da cidadã. A beneficiária é portadora de
miopatia mitocondrial faltando-lhe condições financeiras para a aquisição dos medicamentos mencionados. Inconcebíveis as
alegações do apelante, pois não se pode vislumbrar qualquer dificuldade quanto à efetivação dos direitos de um cidadão, ainda
mais se for por conveniência da própria Administração. O cidadão não pode sofrer as conseqüências da falta de planejamento e
da má administração de um serviço de saúde digno. Cumpre observar, ainda, que o Poder Judiciário, não pretende ser co-gestor
dos recursos destinados à saúde pública, mas sim o porto seguro onde os enfermos desprovidos de recursos financeiros
poderão buscar a efetivação dos direitos fundamentais relativos à vida e à saúde. É obrigação dos entes estatais a proteção à
saúde da beneficiária da presente ação. A recusa em fornecer o aparelho necessário ao tratamento ou a argumentação de
entraves burocráticos constitui ofensa direta aos princípios constitucionais não merecendo qualquer apreciação as alegações
das apelantes. Essa negativa ao tratamento do beneficiário é o mesmo que condená-lo a uma pena cruel que nem mesmo é
aplicada aos criminosos em nosso país. Podendo, ainda, acarretar-lhe senão a morte, o agravamento da doença. A questão dos
autos já foi objeto de apreciação pelo eminente Ministro CELSO DE MELLO que assim se manifestou: “O direito à saúde - além
de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável
do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa
brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em
censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado,
por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe
formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados
no art. 196 da Constituição da República”. (RE 271.286/RS) Às pessoas carentes e portadoras de moléstia grave deve ser
sempre assegurado o fornecimento dos medicamentos, insumos e/ou dietas alimentares necessárias ao seu tratamento como
ato concretizador de dever constitucional que impõe ao Poder Público a obrigação de garantir a todos o acesso igualitário aos
serviços de saúde. A negativa ao acesso igualitário ofende o princípio constitucional da isonomia. Assim, não há dúvidas nesse
caso de que o atendimento ao pedido do apelado deve ser imediato e pelo tempo necessário, ou seja, enquanto perdurar a
enfermidade. Por todo o acima exposto, nega-se provimento aos recursos. São Paulo, 10 de maio de 2012. FRANCO COCUZZA
Relator - Magistrado(a) Franco Cocuzza - Advs: Rosana Martins Kirschke (OAB: 120139/SP) - Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 849,
sala 103
DESPACHO
Nº 0123184-76.2012.8.26.0000 - Agravo de Instrumento - São Paulo - Agravante: Fazenda do Estado de São Paulo Agravado: Indústrias Brasileiras de Artigos Refratários Ibar Ltda e outro - Vistos. Defiro o efeito suspensivo, posto que presentes
os requisitos legais. Requisitem-se as informações ao Juízo a quo, nos termos do CPC, art. 527, inciso IV. Intimem-se os
advogados da parte adversa, na forma do CPC, art. 527, III. Int. Of. São Paulo, 26 de junho de 2012. Xavier de Aquino Relator
- Magistrado(a) Xavier de Aquino - Advs: Monica Maria Russo Zingaro Ferreira Lima (OAB: 97704/SP) (Procurador) - Pedro
Wanderley Roncato (OAB: 107020/SP) - Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 849, sala 103
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º