TJSP 24/09/2012 - Pág. 12 - Caderno 1 - Administrativo - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Segunda-feira, 24 de Setembro de 2012
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Administrativo
São Paulo, Ano V - Edição 1273
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Notificada, a interessada apresentou a sua impugnação e argumentou: o precedente jurisprudencial invocado pela
Registradora não se aplica ao caso vertente, no qual, ao contrário daquele, houve processo judicial de desapropriação e
produção de prova pericial; a composição, envolvendo o valor da indenização, foi aperfeiçoada depois da prolação da sentença,
quando já interposto recurso de apelação; ainda que amigável e mesmo que concluída independentemente de um processo
litigioso, a desapropriação é modo originário de aquisição da propriedade; não há, na hipótese, similitude com a compra e
venda; enfim, as exigências apresentadas não têm cabimento (fls. 15/28).
A dúvida, em primeira instância, foi julgada procedente (fls. 55/56vº).
Rejeitados os embargos de declaração, a interessada interpôs recurso de apelação, reiterando suas manifestações anteriores
e reforçando a ocorrência de despojamento compulsório, com a finalidade de obter o julgamento improcedente da dúvida, com
determinação dirigida ao registro da carta de adjudicação (fls. 63/79).
Recebido o recurso, a apelante exibiu cópia de acórdão recentemente proferido pelo Egrégio Conselho Superior da
Magistratura, então, conforme ponderado, expressando entendimento em harmonia com sua tese (fls. 85/92).
A Procuradoria Geral da Justiça, após requerer a remessa dos autos ao Colendo Conselho Superior da Magistratura, propôs
o não conhecimento da apelação, pois prejudicada a dúvida (fls. 99/100).
Por fim, discutindo-se a pertinência de registro em sentido estrito, os autos foram remetidos ao Colendo Conselho Superior
da Magistratura.
É o relatório.
A desapropriação é o procedimento administrativo identificado pela prática de uma série encadeada de atos preordenados à
perda da propriedade, pelo particular, mediante transferência forçada de seus bens para o Poder Público, precedida, em regra,
do pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro.
O despojamento compulsório da propriedade pelo Poder Público pode estar fundado a) em necessidade ou utilidade pública
ou interesse social (artigo 5.º, XXIV, da CF), b) em descumprimento do Plano Diretor do Município – quando dispensada a
prévia indenização e admitido o pagamento mediante títulos da dívida pública (artigo 182, § 4.º, III, da CF) -, c) visar, à luz do
descumprimento da função social do imóvel rural, à reforma agrária – hipótese em que autorizado o pagamento da indenização
por meio de títulos da dívida agrária (artigo 184 da CF) -, ou d) apoiar-se na utilização criminosa dos bens, situação que
desobriga o pagamento de indenização ao expropriado (artigo 243 da CF).
A desapropriação, amigável ou judicial, concluída extrajudicialmente, na via administrativa, ou por meio de processo litigioso,
com a intervenção do Poder Judiciário, revela-se, sempre, um modo originário de aquisição da propriedade: inexiste um nexo
causal entre o passado, o estado jurídico anterior, e a situação atual.
A propriedade adquirida, com o aperfeiçoamento da desapropriação, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos
títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, tanto que não poderá ser reivindicada por
terceiros e pelo expropriado (artigo 35 do Decreto-lei n.º 3.365/1941), salvo no caso de retrocessão.
Trata-se de entendimento compartilhado, além do mais, pela melhor doutrina: Miguel Maria de Serpa Lopes, Hely Lopes
Meirelles, Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Lucia Valle Figueiredo, Diogenes Gasparini, José
Carlos de Moraes Salles e Marçal Justen Filho.
A propósito da desapropriação amigável, Diogenes Gasparini acentua: mesmo ela, na qual, igualmente, a transferência
do domínio é imposta pelo Poder Público, a aquisição da propriedade é originária, “dado que o expropriante e o expropriado
ajustam seus interesses apenas em relação à indenização, às condições de pagamento e à transferência da posse.”
Na mesma linha, Celso Antonio Bandeira de Mello destaca a natureza compulsória da aquisição da propriedade realizada
por meio da desapropriação, causa autônoma suficiente, por si só, para incorporação do bem expropriado ao patrimônio do
Poder Público, apoiada na sua vontade, no seu poder de império, e no pagamento da indenização, malgrado encerrado o
procedimento extrajudicialmente, com acordo.
Enfim, ainda que a segunda fase do procedimento expropriatório bifásico, a executiva (a primeira fase é a declaratória),
termine no âmbito administrativo, com a lavratura da escritura pública amigável de desapropriação, a ser registrada no Registro
de Imóveis, a desapropriação, a despeito do acordo extrajudicial, não se desnatura, ou seja, não se transmuda em modo
derivado de aquisição da propriedade.
Consoante Marçal Justen Filho, “a concordância do particular não atribui natureza consensual à desapropriação,” que, assim
- implicando supressão da propriedade privada por iniciativa estatal, para a qual indiferente a anuência do expropriado -, “não se
confunde com uma compra e venda”, ainda que haja “aquiescência no tocante ao valor da indenização.”
Por sua vez, o Colendo Conselho Superior da Magistratura, por anos, acompanhou o posicionamento doutrinário exposto,
sem fazer distinção, com relação ao modo de aquisição da propriedade, entre as desapropriações amigável e judicial.
Conforme se extrai dos julgamentos da Apelação Cível n.º 9.461-0/9, no dia 30 de janeiro de 1989, relator Corregedor Geral
da Justiça Milton Evaristo dos Santos, e da Apelação Cível n.º 12.958-0/4, no dia 14 de outubro de 1991, relator Corregedor
Geral da Justiça Onei Raphael, a desapropriação, mesmo a amigável, era compreendida, tal como a judicial, como modo
originário de aquisição da propriedade.
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º