TJSP 06/06/2014 - Pág. 1276 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: sexta-feira, 6 de junho de 2014
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano VII - Edição 1666
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tratamento da doença que lhe acomete, a saber: diabetes mellitus tipo 1. A inicial (fls. 02/07) veio instruída com os documentos
de fls. 08/18.. A tutela antecipada foi deferida, fixando-se multa diária em caso de eventual descumprimento da medida, bem
como os benefícios da assistência judiciária (fls.22/23). A ré, regularmente citada (fl. 44), apresentou contestação (fls.49/71).
Sustentou que há tratamento para a doença que acomete a autora, com medicamento diverso do pretendido na inicial, mas
padronizado na rede pública de saúde, com eficácia comprovada e de menor custo. Assim, argui a falta de interesse de agir da
parte autora. Além disso, argumenta que a concessão da medida impõe ônus não previsto em orçamento público, extrapolando
a reserva do possível e acarretando danos à Administração e violação a princípios constitucionais, razão pela qual pugna pela
improcedência da ação. Réplica (fls. 74/76). Determinada a especificação de provas (fl. 77), as partes postularam pela prova
pericial (fl. 78/79). Saneado o feito (fl. 81/82), foi determinada a realização de prova pericial pelo IMESC. Com os quesitos (fls.
185), sobreveio o laudo definitivo (fls. 110/122) sobre o qual as partes tomaram ciência e apresentaram manifestação (fls.
130/131 e fls. 133/134) e foram pedidos informações complementares para esclarecimento, sobrevindo o Laudo Pericial
complementar à fls.137/140. Foram apresentadas as alegações finais a fls. 143/147 e 148/149. É o relatório. Decido. A fim de
evitar celeumas e gravames à segurança jurídica, este Juízo aquiesce às teses consolidadas no âmbito do E. TJ/SP. Preceitua
a Constituição Federal, em seu art. 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, GARANTIDO mediante o acesso
universal e igualitário ÀS AÇÕES E SERVIÇOS para sua promoção, proteção e recuperação. Sobre a extensão desse direito,
ensina José Afonso da Silva, verbis: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício. (...) A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica
constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula ‘a saúde é direito de todos’ (...) e, de outro
lado, a obrigação correspondente, na cláusula ‘a saúde é dever do Estado’, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da Administração indireta.” (‘Comentário
contextual à Constituição’, 2ª ed., SP: Malheiros Editores, p. 767/768) Dessa forma, resulta inconteste que a parte autora, como
cidadã brasileira, é detentora de um direito garantido pela Lei Maior, e que deve ser implementado pelo Estado, em quaisquer
de suas esferas, seja qual for o nível. Dito isso, resta consignar que o Estado (União, Estados, DF e Municípios) detém
responsabilidade quanto ao fornecimento de medicamentos e insumos. É o que ensina, também, a jurisprudência de nossa
Corte Paulista, a saber: “A pretensão ao fornecimento de remédio, insumos ou aparelhos necessários ao tratamento médico,
pode ser dirigida à União, ao Estado ou Município, porque a indisponibilidade do direito à saúde foi proclamada pelo STJ como
consequência indissociável do direito à vida.” (Des. Amorim Cantuária, 3ª Câm. Dir. Público, Apelação 0002029-58.2011.8.26.0383)
Por sua vez, a Lei Federal 8.080/90 - que regulamenta a estrutura do Sistema Único de Saúde - estabelece competência
conjunta da União, Estados e Municípios para o exercício de atribuições administrativas (artigo 15). Não é lei transitiva nacional,
mas sim transitiva federativa, razão pela qual seus comandos destinam-se apenas à organização administrativa, isto é, à forma
e ao modo como os medicamentos devem ser dispensados pelas instâncias da Federação. É lei interna corporis da Federação.
Não pode, por isso mesmo, ser oposta ao cidadão, pois é uma lei que visa apenas à regulamentação das relações jurídicas
entre os entes federados. Não se opõe, pois, ao comando do art. 196 da CF esse sim, de caráter nacional, eficácia imediata e
aplicabilidade incondicionada. Sobre o assunto, colaciono a seguinte lição: “(...) No mais, a Lei 8.080, de 1990, ao instituir o
Sistema Único de Saúde (SUS), não o fez para impor rigidez às atribuições de cada Ente incumbido de promover e recuperar a
saúde, mas sim para determinar a coparticipação e atuação articulada destes órgãos públicos, no intuito de ampliar e melhorar
o atendimento à saúde pública em todo o território nacional.” (Des. Régis de Castilho Barbosa, 1ª Câm. Dir. Público, Agravo de
Instrumento 0117418-42.2012.8.26.0000) Portanto, resta inconcusso que os entes políticos respondem solidariamente por essa
obrigação, sendo incabível o expediente de tentar repassar ao outro o dever de garantir o acesso universal ao direito à saúde.
Ademais, a circunstância de os medicamentos não constarem em protocolo de padronização para determinada doença não
constitui motivo idôneo que justifique a não dispensação. Nesse sentido, de se notar que o art. 196 da CF não possui
condicionantes ou limitações dessa ordem, já tendo se manifestado o Tribunal de Justiça Bandeirante: “A padronização de
medicamentos e procedimentos (‘protocolos’) é válida para o atendimento corriqueiro, não podendo servir de escusa para a não
entrega de medicamento específico necessário ao tratamento dos pacientes.” (Des. Xavier de Aquino, 1ª Câm. Dir. Público,
Apelação 0004497-61.2011.8.26.0070) E, ainda: “Muito embora a lista de dispensação de medicamentos/insumos seja essencial
à orientação e priorização da ação da Administração Pública na política estatal de assistência à saúde, ela não constitui
pressuposto ao direito de obter o atendimento objeto de prescrição médica.” (Des. Cláudio Augusto Pedrassi, 2ª Câm. Dir.
Público, Apelação/Reexame necessário 0003189-98.2012.8.26.0637) “Fica a critério do médico que acompanha o paciente
escolher o tratamento que melhor atenda às particularidades de seu quadro clínico. As listas de medicamentos padronizados
pelo SUS não são de molde a vincular nem os profissionais da medicina nem o juízo. Assim, a obrigação de fornecimento de
medicamentos não se limita àqueles previstos nas referidas listagens.” (Des. Aroldo Viotti, 11ª Câm. Dir. Público, Apelação
0377365-48.2009.8.26.0000) Com isso, não há que falar em sujeição do doente a medicamentos e insumos que, segundo a ré,
são disponibilizados pelo SUS. Logo, ação posta em juízo é o meio adequado e atinge a finalidade pretendida pela parte autora,
razão pela qual afasto a preliminar de falta de interesse de agir. Vale salientar que o receituário médico e o laudo do perito
evidenciam a necessidade da específica medicação prescrita, devendo-se considerar, ainda, a inexistência de questionamentos
ou contraprova suficiente para evidenciar a inutilidade do remédio ou se estabelecer questionamentos acerca da capacidade
técnica do profissional da saúde que os prescreveu. Ademais, a própria perícia realizada pelo IMESC concluiu que a autora está
acometida da doença narrada na inicial e que deve empregar a medicação altamente especializada consistente no medicamento
pretendido. Aqui, válida e irretorquível a lição do Ministro OROZIMBO NONATO, verbis: “A rejeição do laudo há de ter por
fundamento outra prova, no caso, de mais prestígio e credibilidade. É o juiz livre para extrair deduções independentes das
conclusões do laudo (BALDI, em JORGE AMERICANO), mas seu trabalho deve repousar como sempre na consideração do
apurado nos autos, de outras provas que prevaleçam ao arbitramento. A ordem do juiz, a sentença, é filha de sua razão e não
de seu arbítrio” (Ac. do Supremo Tribunal Federal, em Jurisprudência do STF, 26/120) Ainda, ensina o Desembargador EDGARD
DE MOURA BITTENCOURT: “Só com elementos seguros e convincentes podem ser repelidas as considerações e conclusões
do perito judicial” (Ac do TJ-SP, em RT 196/150) Logo, de rigor a manutenção da tutela antecipada concedida, respeitando-se os
novos valores fixados a título de multa diária. Assim fundamentada a decisão, disponho: Por todo exposto, JULGO PROCEDENTE
o pedido de Edneia Ribeiro Clemente para condenar a FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO a fornecer os medicamentos e
insumos descritos na inicial, enquanto houver prescrição médica, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais ao dia),
limitada a 30 dias (trinta mil reais). No mais, CONDENO a Fazenda do Estado de São Paulo ao pagamento dos honorários
advocatícios da parte contrária ora fixados, por equidade, em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), nos termos do § 4º do artigo
20 do Código de Processo Civil. Encerro esta fase com base no art. 269, I, do CPC. Decorrido o prazo para interposição de
recurso voluntário, remetam-se os autos ao E. Tribunal de Justiça, Seção de Direito Público. P. R. I. Mogi das Cruzes, 21 de
maio de 2014 - ADV: ONIEL DA ROCHA COELHO FILHO (OAB 125547/SP), RENATA DE OLIVEIRA MARTINS (OAB 250317/
SP), MICHELLE NAJARA APARECIDA SILVA (OAB 300929/SP), THIAGO DE PAULA LEITE (OAB 332789/SP)
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