TJSP 01/09/2015 - Pág. 2023 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 1 de setembro de 2015
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano VIII - Edição 1958
2023
padronizada do Sistema Único de Saúde e que sua dispensação dependeria de avaliação completa perante profissionais da
rede municipal de saúde. Sustentou também a natureza programática das normas constitucionais avocadas e a ausência de
orçamento para o atendimento reclamado, aplicando-se, na essência, a tese da “reserva do possível”. A Autoridade Estadual,
por sua vez, afirmou não haver motivo justificável para que o impetrante não possa ser alimentado com leite materno e, por fim,
que há disponibilização de leite comum pela Secretaria de Promoção Social do Município. O Ministério Público, a fls. 91/92,
opinou pela necessidade de complementação da documentação juntada à inicial, requerendo a intimação do impetrante para
apresentar laudo médico circunstanciado. É o breve relatório. Fundamento e decido. Preliminar. I- Ilegitimidade passiva
(medicação de alto custo). A preliminar de ilegitimidade passiva levantada pela autoridade impetrada (Secretário Municipal de
Saúde), afeta à natureza do medicamento buscado nestes autos (alto custo), confunde-se com o mérito da demanda e com ele,
portanto, será examinada. Mérito A questão tratada nestes autos versa sobre direitos fundamentais (saúde e vida), que, atrelados
aos interesses de um menor (condição peculiar de pessoa em desenvolvimento), inserem-se dentro da proteção integral
assegurada pelo artigo 227 da Constituição Federal e artigo 1º da Lei n.º 8.069/90. A Constituição Federal assegurou a todos
dentro do território nacional, independentemente de quaisquer formas de discriminação, o acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação, a ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos (artigo 196, CF/88). Destacou também sobre o tema (saúde) que as
ações e serviços para promoção, proteção e recuperação são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, cuja execução deve ser feita diretamente, ou através de
terceiros, admitindo-se, inclusive, pessoa física ou jurídica de direito privado (artigo 197, CF/88). Estabeleceu ainda que as
ações e serviços públicos de saúde devem integrar uma rede regionalizada, hierarquizada e que constituam um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; IIatendimento integral, com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da
comunidade (artigo 198, CF/88). Tudo financiado nos termos do artigo 195 da Constituição Federal, com recursos do orçamento
da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes (artigo 198, parágrafo
único, da CF/88). A Lei nº 8080/90, tratando da matéria, reiterou ser a saúde um direito fundamental do ser humano, de
responsabilidade do Estado, que deve fornecer as condições indispensáveis para o seu pleno exercício (artigo 2º) e, assim,
garantir o bem-estar físico, mental e social (artigo 3º), com acesso universal e igualitário a todos (artigo 7º). O conjunto dessas
ações e serviços, prestados por órgãos e instituições federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde SUS (artigo 4º da Lei n. 8080/90), o qual, por
englobar obviamente todos os entes da Federação, impõe a eles que estabeleçam em seus respectivos orçamentos dotação
necessária para o financiamento de ações e serviços deste sistema (SUS), como, aliás, dispõe o artigo 36 da Lei n. 8.080/90,
em sintonia com os artigos 23, inciso II, 196 e 198, parágrafo 1º, da Constituição Federal. E neste passo, tendo o impetrante
optado por litigar em face do Município e do Estado, a estes entes federativos cabe o atendimento da tutela rogada nesta ação,
sobretudo porque os argumentos apresentados pelas Autoridades Coatoras não se mostraram suficientes a afastar a
responsabilidade pelo atendimento do reclamo. O impetrante, menor impúbere, é portador de Refluxo Gastroesofágico (CID 10
k21) e necessita de fórmula alimentar especial denominada NAN AR, como item indispensável a seu desenvolvimento e
qualidade de vida, conforme prescrito pela médica que o acompanha, e, assim, por não reunir condições econômicas suficientes
para arcar com os custos do produto, faz jus ao seu fornecimento gratuito. Isto porque a não inclusão do produto pleiteado em
lista própria de fornecimento ou seu alto custo, a par das implicações relacionadas à distribuição administrativa de
responsabilidades entre os entes federativos, não tem o condão de alterar o tratamento adequado que foi prescrito ao impetrante,
especialmente quando há relatórios específicos como os apresentados nos autos, firmados pelas profissionais responsáveis por
seu acompanhamento clínico. Ademais, cumpre ressaltar que a existência de uma lista de medicamentos e produtos a serem
fornecidos à população, embora seja de suma importância, têm como escopo apenas orientar e padronizar a atividade do
Estado na prestação deste serviço público, mas obviamente não serve como requisito a pautar o próprio exercício do direito
(direito fundamental de receber do Estado medicamento). O Direito à Saúde, tal como previsto em nossa Constituição Federal,
é amplo e irrestrito, de modo que não pode estar condicionado a programas específicos do governo. Aliás, ainda que o direito à
saúde pública esteja inserido no rol do artigo 6º da Constituição Federal, este, por referir-se a aspecto essencial da vida do
cidadão, não pode ser interpretado como mera norma programática, sob pena de se aniquilar de vez um direito constitucional
fundamental para a sociedade. Neste sentido, abrangendo também a arguição da tese da “reserva do possível”, assim decidiu o
Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “a cláusula da ‘reserva do possível’ ressalvada a ocorrência de justo motivo
objetivamente aferível não pode ser invocada pelo Município com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de
suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou,
até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.” (Apelação nº
0373684-36.2010.8.26.0000, Rel. Des. Martins Pinto, j. 07/02/2012, v.u.). No mesmo sentido tem sido o entendimento do Egrégio
Superior Tribunal de Justiça: “Direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do
adolescente. Norma constitucional reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Normas definidoras
de direitos não programáticas. Exigibilidade em Juízo. Interesse transindividual atinente às crianças situadas nessa faixa etária.
Ação civil pública. Cabimento e procedência”(g.n). (REsp nº 577.836/SC Rel. Min. Luiz Fux, j. 09/11/2004, DJ de 06/12/2004, p.
218). Ademais, cumpre transcrever os ensinamentos proferidos pelo Ministro Celso de Melo: “O direito à saúde - além de
qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa consequência constitucional indissociável do
direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa
brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável
omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE
TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art.
196 da Carta Política que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público,
fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu
impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do
Estado (STF.RE 271286 AgR/RS, Segunda Turma, DJ de 24.11.2000). Oportuno destacar que a discricionariedade a que se
refere a Municipalidade não é absoluta. Ela está restrita à escolha da melhor política para satisfazer a demanda, mas jamais
poderá ser avocada de modo a impossibilitar o exercício do direito resguardado na norma constitucional. Consigno, outrossim,
que não há porque se colocar em dúvida o relatório médico juntados aos autos, eis que à profissional que assiste o impetrante
compete lhe prescrever o produto que julgar ser o indicado às suas respectivas condições de saúde. Vale ressaltar o
posicionamento da digníssima Relatora da Câmara Especial, Des. Claudia Lúcia Fonseca Fanucchi, em seu voto nos autos da
Apelação / Reexame Necessário nº 0024130-08.2012.8.26.0625, julgado em 12/08/2013: “Os autos noticiam que o menor
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