TJSP 01/02/2016 - Pág. 2002 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IX - Edição 2047
2002
por motivo fútil, ameaçou sua esposa, Idelci Molena Pietro, de lhe causar mal injusto e grave. Representação, no que tange ao
crime de ameaça (fls. 09).Recebida a denúncia (fls. 21), o réu foi regularmente citado (fls. 50) e, através de seu Dr. Defensor,
apresentou reposta escrita à acusação inicial (fls. 29/39). Manutenção do recebimento da denúncia às fls. 46/47.Durante a
instrução foram ouvidas, a vítima (fls. 70/74), um informante do juízo (fls. 75/80), duas testemunhas arroladas pela acusação
(fls. 81/83 e 84/85), uma testemunha arrolada pela defesa (fls. 86/88). Em seguida o réu foi interrogado (fls. 89/94).Em sede de
memoriais, o Ministério Público manifestou-se, pugnando pela procedência integral do pedido condenatório, por comprovadas a
materialidade e a autoria delitivas (fls. 96/102).A Defesa, por sua vez, pugnou, preliminarmente, pela inexistência de materialidade
do fato por ausência do exame de corpo de delito que comprovasse as lesões corporais. No mérito, alegou inexistir provas
suficientes para a condenação, no que tange ao crime de ameaça, pois não foi presenciada por nenhuma testemunha. Requereu
a improcedência da ação penal pela total ausência de provas, nos termos do artigo 386, VII, do Código Penal e, caso não seja
este o entendimento, requereu a não aplicação das agravantes por estes já comporem o elemento dos delitos imputados (fls.
105/109). É o relatório. Fundamento e decido. Primeiramente, passo a analisar a matéria preliminar arguida pela Defesa, que
alegou ausência de exame de corpo de delito que contatasse as lesões, sob argumento de que, na verdade, há apenas a
declaração médica, mas associada à crise hipertensiva nervosa e emocional; além disso, a Defesa sustenta que o exame do de
exame de corpo de delito de fls. 26/27 foi realizado de forma indireta e há mais de trinta dias dos fatos narrados, por isso
imprestável para a comprovação da materialidade com relação ao crime de lesão corporal. Tenho que razão parcial assiste à
Defesa. Isso porque é possível vislumbrar que o boletim médico de fls. 07, foi realizado no dia dos fatos, e constatou que a
vítima apresentava: “hipermia hemi facial direita e dor em braço direito, associado a crise hipertensa nervosa emocional. Refere
que Sintomas foram provocados por agressão física, do qual o agressor seria seu esposo. Dessa declaração médica, desprovida
de cunho técnico-jurídico, o Laudo Pericial realizado indiretamente que apenas se lastreou naquela: Segundo Relatório Médico
da Santa Casa de Monte Alto a vítima apresentava hiperemia hemi fácil direita, causando lesões corporais de natureza LEVE,
provocada por agente contundente (fls. 26/27). Assim, o laudo oficial construído com base na declaração acabou por concluir,
equivocadamente, que a vítima suportou lesão corporal leve, quando, na verdade, das agressões somente restaram sinais de
hiperemia na face direita (fls. 26/27).O dicionário Aurélio define hiperemia como a superabundância de sangue em qualquer
parte do corpo. Trata-se da simples vermelhidão da pele, a qual não causa comprometimento anatômico, fisiológico ou mental
do corpo humano, não tipificando o delito de lesão corporal. O eritema não constitui lesão corporal, pois trata-se de simples
rubor na pele, devido ao maior afluxo de sangue, não comprometendo a normalidade do corpo humano, quer do ponto de vista
anatômico, quer fisiológico ou mental (TACRIM-SP AP Rel. Hélio de Freitas JUTACRIM 81/461 e RJD 19/187). As lesões
eritematosas, consistentes em simples rubores da vítima da agressão, não configuram o delito do art.129doCP(lesão corporal),
por não comprometerem anatômica, fisiológica ou mentalmente o corpo humano (TACRIM-SP AP Rel. Marrey Neto RT 649/293).
Nesse contexto, a meu juízo a conduta se enquadra na contravenção penal de vias de fato. Sobre o conceito das vias de fato,
destaco as lições de Guilherme de Souza Nucci: Conceituam-se as vias de fato como a briga ou a luta quando delas não resulta
crime; como a violência empregada contra pessoa, de que não decorre ofensa à sua integridade física. Em síntese, vias de fato
são a prática de perigo menor, atos de provocação exercitados materialmente sobre a pessoa, ou contra a pessoa. Assim,
empurrá-la sem razão, sacudi-la, rasgar-lhe a roupa, agredi-las a tapas, a socos ou pontapés, arrebatar-lhe qualquer objeto das
mãos ou arrancar-lhe alguma peça do vestuário, puxar-lhe os cabelos, molestando-a. (Nucci, Guilherme de Souza, apud
Linhares, Marcello Jardim. Leis penais e processuais penais comentadas. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.
157)
Assim, portanto, tenho que incide caso de emendatio libelli, que se encontra devidamente capitulada no artigo 383 do
Código de Processo Penal, fazendo-se necessário o reenquadramento legal das circunstâncias fáticas descritas, em relação ao
delito do artigo 129, § 9º do Código Penal, para a contravenção prevista no artigo 21 do decreto Lei 3.688/41, vias de fato.
Vencida essa etapa, a pretensão punitiva estatal é procedente. A materialidade do delito restou comprovada nos autos por meio
do boletim de ocorrência (fls. 03/04), através do boletim médico (fls. 07), pelo laudo de exame de corpo de delito (fls. 26/27),
bem como pela prova oral colhido nos autos. Por sua vez, a autoria também é certa. Em juízo, o acusado negou a prática
delitiva. Alegou que deu o dinheiro para sua esposa comprar carne e quando ela voltou lhe pediu para comprar refrigerantes.
Salientou que foi comprar o que sua esposa lhe pediu e chegando a casa, esta bateu com a porta na sua cara não o deixando
entrar. Aduziu que deu a volta no quintal de casa e como a janela estava aberta jogou o refrigerante no sofá. Afirmou que depois
saiu de casa, foi até o vizinho. Declarou que nunca ameaçou sua esposa de morte. Argumentou que a vítima se bateu na porta
para o vê-lo preso. Relatou que tem problemas com o seu filho. Disse que não está vivendo com outra pessoa. Por fim, contou
que os desentendimentos começaram quando ele parou de trabalhar (fls. 89/94).A vítima Idelci Molena Pietro contou que no dia
dos fatos houve uma discussão com o acusado que ele lhe deu um tapa no rosto. Salientou que pediu para o réu ir até o
açougue e este disse que não iria então lhe pediu dinheiro para ir. Aduziu que o acusado disse que só possuía R$ 20,00 e para
ela pedir para o seu amante. Argumentou que o acusado começou a ofendê-la e, em seguida, a agrediu. Afirmou que o réu a
acusou de ter um amante e que ele lhe agrediu por acreditar nisso. Verbalizou que o acusado saiu da casa e em seguida trancou
a porta; depois retornou desferindo chute na porta e ameaçando de morte. Admitiu que ficou com uma lesão no braço. Contou
que depois do ocorrido o acusado saiu de casa, não sabendo dizer onde ele foi. Declarou que conviveu com o acusado por 50
anos e depois do ocorrido eles se separaram. Relatou que dias antes esteve no Cejusc e o acusado prometeu procurar um
médico. Por fim, esclareceu que só houve duas vezes em que o réu lhe agrediu. (fls. 70/74).O informante do juízo, Luiz Carlos
Pietro, disse que é filho da vítima e do acusado. Contou que no dia dos fatos presenciou a brigas entre os pais. Declarou que
mora na rua em frente, e quando chegou a sua casa, a vizinha disse que escutou o seu pai dizendo que iria matar a sua mãe.
Relatou que a vizinha ligou para a polícia e em seguida ele foi até a casa de seus pais, e seu pai estava batendo na porta.
Aduziu que quando a Polícia chegou ele foi até a casa de seus pais e logo depois foram para a delegacia onde foi feita a
ocorrência. Salientou que foi até o hospital com a sua mãe para fazer o exame de corpo de delito. Afirmou que seu pai não
estava machucado, somente sua mãe. Argumentou que sua mãe disse que seu pai tinha agredido ela. Verbalizou que seu pai já
havia agredido sua mãe anteriormente. Por fim, Admitiu que sua mãe é hipertensa (fls. 75/80).Os Policiais Militares, Marcio José
Gomes Andreoti (fls. 81/83) e Fabio Augusto Rossi (fls. 84/85), afirmaram que foram acionados para comparecer no local onde
um casal estava brigando. Salientaram que a vítima disse a eles que o acusado xingava e ameaçava a vítima. Contaram que
foram acionados por uma vizinha e ela narrou que os dois viviam brigando. Por fim, declararam que não se lembram de se
houve agressão. A testemunha arrolada pela defesa João Paulo Lozano afirmou que conhece o acusado desde 2001, pois
trabalhavam juntos no transporte de alunos. Aduziu que o acusado sempre foi tranquilo com os alunos que transportava e com
os colegas de trabalho. Contou que atualmente tem contato com o réu e tomou conhecimento da separação da esposa. Admitiu
que não sabe se o réu está em outro relacionamento. Por fim, disse que o acusado estava sem lugar para ficar e ele posava em
um barracão onde guardava Perua, e atualmente está morando em um quarto alugado. (fls. 86/88).Não foram arroladas outras
testemunhas que pudessem afrontar o contexto probatório que se insere nos autos. Relembro que salvo raras exceções
devidamente comprovadas, em crimes desta natureza, praticados normalmente no âmbito familiar, restrito ao conhecimento e
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º