TJSP 19/03/2019 - Pág. 2012 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 19 de março de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XII - Edição 2770
2012
Dessa forma, resulta inconteste que o autor, como cidadão brasileiro, é detentor de um direito garantido pela Lei Maior, e que
deve ser implementado pelo Estado, em quaisquer de suas esferas, seja qual for o nível. Dito isso, resta consignar que o Estado
(União, Estados, DF e Municípios) detém responsabilidade quanto ao fornecimento de medicamentos e insumos. É o que ensina,
também, a jurisprudência de nossa Corte Paulista, a saber: “A pretensão ao fornecimento de remédio, insumos ou aparelhos
necessários ao tratamento médico, pode ser dirigida à União, ao Estado ou Município, porque a indisponibilidade do direito à
saúde foi proclamada pelo STJ como consequência indissociável do direito à vida.” (Des. Amorim Cantuária, 3ª Câm. Dir.
Público, Apelação 0002029-58.2011.8.26.0383) Por sua vez, a Lei Federal 8.080/90 - que regulamenta a estrutura do Sistema
Único de Saúde - estabelece competência conjunta da União, Estados e Municípios para o exercício de atribuições administrativas
(artigo 15). Não é lei transitiva nacional, mas sim transitiva federativa, razão pela qual seus comandos destinam-se apenas à
organização administrativa, isto é, à forma e ao modo como os medicamentos devem ser dispensados pelas instâncias da
Federação. É lei interna corporis da Federação. Não pode, por isso mesmo, ser oposta ao cidadão, pois é uma lei que visa
apenas à regulamentação das relações jurídicas entre os entes federados. Não se opõe, pois, ao comando do art. 196 da CF
esse sim, de caráter nacional, eficácia imediata e aplicabilidade incondicionada. Sobre o assunto, colaciono a seguinte lição:
“(...) No mais, a Lei 8.080, de 1990, ao instituir o Sistema Único de Saúde (SUS), não o fez para impor rigidez às atribuições de
cada Ente incumbido de promover e recuperar a saúde, mas sim para determinar a coparticipação e atuação articulada destes
órgãos públicos, no intuito de ampliar e melhorar o atendimento à saúde pública em todo o território nacional.” (Des. Régis de
Castilho Barbosa, 1ª Câm. Dir. Público, Agravo de Instrumento 0117418-42.2012.8.26.0000). Portanto, resta inconcusso que os
entes políticos respondem solidariamente por essa obrigação, sendo incabível o expediente de tentar repassar ao outro o dever
de garantir o acesso universal ao direito à saúde. Ademais, a circunstância de o insumo não constar em protocolo de padronização
para determinada doença não constitui motivo idôneo que justifique a não dispensação. Nesse sentido, de se notar que o art.
196 da CF não possui condicionantes ou limitações dessa ordem, já tendo se manifestado o Tribunal de Justiça Bandeirante: “A
padronização de medicamentos e procedimentos (‘protocolos’) é válida para o atendimento corriqueiro, não podendo servir de
escusa para a não entrega de medicamento específico necessário ao tratamento dos pacientes.” (Des. Xavier de Aquino, 1ª
Câm. Dir. Público, Apelação 0004497-61.2011.8.26.0070) E, ainda: “Muito embora a lista de dispensação de medicamentos/
insumos seja essencial à orientação e priorização da ação da Administração Pública na política estatal de assistência à saúde,
ela não constitui pressuposto ao direito de obter o atendimento objeto de prescrição médica.” (Des. Cláudio Augusto Pedrassi,
2ª Câm. Dir. Público, Apelação/Reexame necessário 0003189-98.2012.8.26.0637) “Fica a critério do médico que acompanha o
paciente escolher o tratamento que melhor atenda às particularidades de seu quadro clínico. As listas de medicamentos
padronizados pelo SUS não são de molde a vincular nem os profissionais da medicina nem o juízo. Assim, a obrigação de
fornecimento de medicamentos não se limita àqueles previstos nas referidas listagens.” (Des. Aroldo Viotti, 11ª Câm. Dir. Público,
Apelação 0377365-48.2009.8.26.0000) Ademais, não é preciso ser Médico para saber que há casos e casos. Que a generalidade
dos protocolos e das diretrizes terapêuticas não abrange todos os tipos de enfermidades; e se pretensamente o faz, não
contempla seus desdobramentos, calcados na individualidade de casa ser, na reação advinda de cada um à doença e ao próprio
tratamento. Não por acaso, foi de singular genialidade o russo Tolstoi ao iniciar um de seus célebres romances com a advertência:
“As famílias felizes parecem-se todas; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.” É dizer, trazendo para os autos: na
dor, na doença, cada um reage de acordo com sua compleição física, com seu estado psíquico, com sua individualidade
orgânica. O óbvio, que nem dito precisaria ser. Com isso, não há que falar em sujeição do doente a medicamentos e insumos
que, segundo a ré, são disponibilizados pelo SUS. Vale salientar que o receituário médico evidencia a necessidade do específico
insumo prescrito, devendo-se considerar, ainda, a inexistência de questionamentos ou contraprova suficiente para evidenciar a
inutilidade do remédio ou se estabelecer questionamentos acerca da capacidade técnica do profissional da saúde que os
prescreveu. Por fim, não há que se falar em mácula à isonomia ou a tripartição de funções. Primeiro, porque as políticas
públicas de saúde visam ao atendimento de toda a população; mas quando algum cidadão necessita de uma atenção e cuidado
especiais, deve recebê-lo. Isso não é criar distinção; ao revés, é tratar os desiguais na medida de sua desigualdade, a fim de
igualá-los com todos os demais. E não há interferência do Judiciário no Executivo. O Judiciário não está formulando políticas
públicas, tampouco alterando a peça orçamentária. Está, apenas, resolvendo uma lide surgida entre a parte autora e os
Executivos Municipal e Estadual. Também não procedem as alegações de violação aos constitucionais princípios republicano e
da separação dos Poderes, porque estaria o Judiciário invadindo seara do Executivo ao determinar a entrega de tal e qual
medicamento, sem previsão orçamentária e fora das prioridades e dos planos estabelecidos por quem de Direito. Ledo engano.
Ao Executivo, obviamente, cabe implementar políticas públicas de saúde, visando ao acesso UNIVERSAL e IGUALITÁRIO de
todos os brasileiros. Para atingir tais objetivos, não pode privilegiar ninguém. Deve agir pautado na legalidade, na
IMPESSOALIDADE, na moralidade, na eficiência e na publicidade. Assim, sua política de distribuição de medicamentos não
atinge situações concretas, assaz específicas, que ficariam à margem da proteção outorgada e garantida pelo constituinte
originário, se não pudesse o cidadão se socorrer do Judiciário, trazendo seu caso concreto. Ora, e o Poder Judiciário serve,
justamente, para o atendimento de casos concretos. A ele incumbe concretizar o espírito da lei, dar máxima eficácia ao
ordenamento jurídico e garantir, exponencialmente, os direitos fundamentais de toda pessoa. Aferindo a situação concreta, o
litígio exposto e a situação de cada Pessoa, pode o Judiciário, então, dizer o Direito. De outro modo, seria inútil, pois já haveria
a Lei e os Atos Administrativos. Por isso já advertia o célebre advogado SOBRAL PINTO, in verbis: “(...) Urge, porém, não nos
esquecermos que o homem abstrato não existe, que a humanidade duas vezes repetida é uma quimera, que não existem
homens senão no estado completo, associados a outros homens, indivíduos dotados de forças reais, de propriedades
determinadas, que, entre estes homens concretos, vemos tudo muito diferente da igualdade. A idade, o gênio, a força, a agilidade
etc., tudo é desigual entre eles, tudo é desigualdade e esta desigualdade resulta da natureza que produz os indivíduos tanto
quanto a espécie. Estaríamos, então, no direito de concluir que os homens, por sua própria natureza, são individualmente
desiguais e especificamente iguais, e que se procederá de acordo com a Justiça desde que se respeitem os direitos individuais
daqueles com os quais se entra em relação. A Justiça, portanto, para permanecer fiel à sua missão tem de seguir, nos julgamento
que profere, o critério da igualdade dos homens, considerados debaixo do ponto de vista específico, e o da sua desigualdade,
quando encarado sob o aspecto das suas respectivas individualidades. Só à luz desta orientação é que a Justiça poderá realizar
e preencher a sua nobre função, pois é indispensável considerar que esta desigualdade individual e esta igualdade específica
não são contraditórias: que são, com efeito, as propriedades individuais relativamente às propriedades específicas. Elas
constituem um conjunto de diversidades individuais pelo qual atuamos e desenvolvemos as forças da natureza.” (‘A missão da
Justiça’, Archivo Judiciário, v. LVII, RJ, 1941, p. 3, destaquei.) Dessa forma, o Judiciário não invade seara alheia ao analisar o
pedido de determinada pessoa. Analisa caso a caso. Examina o Direito. Realiza a Justiça ao caso concreto. Isso se chama
EQUIDADE. Furtar-se a isso seria subverter postulados básicos do Estado Democrático de Direito, deixando totalmente
desamparado o cidadão. Demais disso, deve o Estado-Executivo, ao programar suas despesas, saber que, além daquelas
gerais e abstratas, decorrentes de gastos universais e igualitários, surgirão, por óbvio, casos específicos, a reclamar soluções
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