TJSP 06/07/2020 - Pág. 2024 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 6 de julho de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 3077
2024
exclusivamente oral. Inicialmente cabe estabelecer que o cerne da presente demanda não reside nos fatos ocorridos quando da
realização de exame clínico mediante contraste, mas sim quanto ao motivo da interrupção do atendimento médico de urgência,
isto é, se a cessação do atendimento se deu por alta médica ou a pedido do paciente, não obstante o diagnóstico de risco à
saúde, consubstanciado por dor torácica e precordialgia tipo b, com solicitação de exames complementares (prontuário fl. 114).
Logo, prejudicado o pedido do autor, deduzido em réplica, de integração do polo passivo pela empresa que contratou diretamente
para a realização do exame de angiotomografia, porque não há pedido certo e determinado contra aquela pessoa e nem pedido
de desconsideração da personalidade jurídica. Eventual pretensão relacionada aos fatos ocorridos anteriormente ao ingresso
ao pronto atendimento da ré devem ser objeto de ação diversa, com causa de pedir, pedido e partes vinculadas àqueles fatos.
Importante estabelecer também, que o atendimento médico de emergência em questão se deu em razão dos pagamentos de R$
350,00 (fl. 22) e R$ 439,15 (fl. 24), o que denota a existência de relação de consumo pela prestação de serviços de pessoa
jurídica (hospital), cuja apuração de responsabilidade se dá independentemente de culpa (de forma objetiva), nos termos do
caput do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor. Com feito, a prova documental carreada à contestação, especialmente
o prontuário médico de fls. 114/117, informa que o paciente foi encaminhado à sua unidade de pronto atendimento apresentando
“(...) sensação de opressão toraccica e precordialgia tipo B (...)” (sic), com a solicitação de exames complementares de
monitorização e dois acessos venosos, como se vê de fl. 114, no dia 05.10.2018, às 16:36 horas. Verifica-se ainda à fl. 114, que
às 18:12 horas a declaração de que “(...) familiares e paciente recusaram-se a permanecer no hospital e o cliente a ser medicado.
Assinaram alta a pedido.”. Os fatos foram reiterados à fl. 115/116, mas não houve a juntada aos autos do “assinado pedido de
alta”. Importante consignar que o prontuário médico apresentado, muito embora identifique a atuação de profissionais (medico e
enfermeiro), não foi subscrito por nenhum deles. Logo, depreende-se dos fatos narrados e documentos apresentados, que o
hospital requerido pretende o reconhecimento de inexistência de responsabilidade pela concessão de alta médica a pedido de
paciente e familiares (que, por sua vez, alegam omissão de socorro e alta médica negligente), sem a juntada do alegado termo
assinado ou de apresentação de justificativa para sua não exibição e, ainda, frente ao diagnóstico realizado por médico de seu
corpo clínico de que o paciente foi hospitalizado com dor torácica e precordialgia tipo b (fl. 114). Afora isso, o risco à saúde a
que foi exposto o autor diante da alta médica ficou evidenciado pela demonstração documental de que logo após a realização de
alta médica pela ré, ele foi internado no Hospital Tabajara Ramos por cinco dias (05.10.2018 a 10.10.2018 - fls. 25/53) e
transferido para internação, por mais doze dias, no Hospital do Servidor (IAMSPE) para realização de cateterismo e angioplastia
(fls. 54/62), fatos que não foram objeto de impugnação na defesa. Não é desconhecido o fato de que “ninguém pode ser
constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” (artigo 15, do Código Civil), o
que confere ao paciente e seus eventuais responsáveis a autonomia na escolha de procedimento médico que lhe confira riscos.
Contudo, essa autonomia não é indiscriminada e não se presume, competindo ao hospital, por meio de seu corpo clínico, o
dever de informação exaustiva sobre os riscos da interrupção do atendimento de emergência. O dever de informação quanto a
segurança dos serviços prestados está expressamente consignado no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor: “O
fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua fruição e riscos.” O alegado “pedido de alta”, portanto, é incongruente com o pagamento dos valores exigidos pela requerida
para o atendimento, com a situação crítica e de emergência apresentada e com os fatos narrados na inicial. Todas as evidências
são corroboradas pelo fato da ausência de juntada à contestação do alegado termo assinado pelo paciente e/ou familiares, bem
como pela apresentação de prontuário médico sem a assinatura de seus responsáveis, o qual se limitou a indicá-los. Inadmissível,
portanto, a produção de prova testemunhal pretendida pela ré para demonstrar que “o autor não sofreu nem estava enfartado
quando atendido no Pronto Atendimento da ré” (item iv de fl. 137) e que “o autor, embora adequadamente atendido, se recusou
a seguir as orientações médicas, bem como se evadiu do hospital também contra orientação médica, de forma que está faltando
com a verdade” (item v de fl. 137). Consigne-se que prova testemunhal não é via adequada para demonstrar fato diverso da
vasta prova documental do próprio diagnóstico que realizou e pela internação e procedimentos posteriores não impugnados. Do
mesmo modo, não há como se admitir a produção de prova oral de alegação de evasão do hospital (fuga), quando o próprio
prontuário médico informa que a alta se deu a pedido do autor e familiares, porque há considerável distinção entre evasão e alta
a pedido. A ausência de apresentação de documento comprobatório do alegado pedido de alta, em que seria possível identificar
a prestação de informações adequadas e suficientes quanto ao risco da interrupção do atendimento, não foi apresentada e
sequer justificada. E, por fim, ainda que se comprovasse que a alta médica se deu a pedido do autor, após regular prestação de
informações sobre os riscos da interrupção do atendimento, a demonstrada situação de emergência, com risco de saúde e vida,
implicaria no dever de comunicar às autoridades públicas o risco iminente, omissão que também não foi ilidida, porque não há
qualquer documento ou menção de providências tomada pelo corpo clínico da ré. Nesse sentido, aponta o Código de Ética
Médica em seu artigo 22, ser vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após
esclarece-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte e, em seu artigo 31, também ser
vedado ao médico desrespeitar o direito de seu paciente ou de seu representante de decidir livremente, salvo em caso de risco
de morte. A autonomia é possível diante de casos que não envolvam risco de graves danos à saúde ou morte. Caso ainda haja
a intenção do paciente de interromper seu tratamento não é autorizado ao hospital suplantar sua vontade, mas remanesce a
obrigação de relatar o fato grave às autoridades competentes para não responder pela omissão de socorro, porque, repita-se,
riscos de graves danos à saúde ou mesmo a morte versam sobre direito indisponível. Portanto, verifica-se a ocorrência de
responsabilidade pelo fato do serviço, caracterizada pela interrupção do atendimento médico de urgência, sem prestação de
informações do risco inerente e sem comunicação às autoridades competentes da situação de risco à saúde experimentado pelo
autor, em razão de ingresso ao pronto atendimento hospitalar prestado pela ré, por meio de prévio pagamento das respectivas
despesas. O dano material comprovado nos autos se limita ao valor desembolsado à requerida para prestação de serviço de
pronto atendimento médico, no importe correspondente à soma dos valores pagos e documentados pelos recibos de fl. 22 (R$
350,00 em 05.10.2018) e de fl. 24 (R$ 439,15 em 09.11.2018). Não há prova documental das alegadas despesas em razão do
tratamento médico que experimentou, o que não pode ser presumido e cuja prova da existência não pode ser diferida à fase de
liquidação, que se limita a quantificar dano já demonstrado, razão pela qual improcede o pedido de indenização material no
montante equivalente a vinte salários mínimos (item f - fl. 12). Improcede, também, o pedido de indenização correspondente a
três meses de remuneração do autor, no importe de R$ 8.810,49 (fl. 12 - item g), decorrente da impossibilidade de trabalho,
porque não foi demonstrado que ele exerce atividade remunerada, o seu respectivo valor e o decréscimo patrimonial
experimentado. O fato do autor carrear aos autos contrato de licitação estabelecido entre o Município de Mogi Guaçu e sociedade
limitada em que figura como representante (fls. 68/74) é incapaz de demonstrar que ele possuía renda mensal na data dos fatos
e que, em razão do evento, experimentou interrupção ou diminuição, o que, por certo, não pode ser presumido e deveria ser
objeto de comprovação documental exaustiva. Por fim, o dano moral experimentado é inequívoco e inerente ao fato de
experimentar a interrupção de serviço essencial de pronto atendimento de emergência médica, que transcende o mero
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º