TJSP 08/07/2020 - Pág. 1522 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 8 de julho de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 3079
1522
valor cobrado para a clínica se deslocar até a cidade e efetivar a internação do mesmo, de forma compulsória” e R$200,00 para
gastos extraordinários (lavanderia, corte de cabelo, cantina e cigarros). Informou que o tratamento para desintoxicação seria de,
no mínimo, 6 meses, razão pela qual requereu o bloqueio de mais R$7.300,00, que equivaleria a 5 mensalidades - além da
lavanderia - mais a restituição do valor do “resgate” do paciente (fl. 280). O Ministério Público concordou com a prestação de
contas e não se opôs ao bloqueio mensal dos valores correspondentes às mensalidades na clínica, bem como o referente à
remoção do requerido. Discordou, no entanto, do bloqueio total, uma vez que o tratamento é por prazo indeterminado (fl. 291).
A autora reiterou seu pedido (fls. 292/294). É o relatório. II. Natureza jurídica da internação psiquiátrica A internação psiquiátrica
é uma forma de privação de liberdade individual, realizada pelo Estado ou por entidades privadas por ele autorizadas a funcionar,
com a finalidade declarada de tratar o paciente do transtorno mental de que padece. Nos termos da legislação brasileira, ela
deve ser utilizada, em qualquer de suas modalidades, somente em situações extremas, desde que os recursos extra-hospitalares
se mostrem insuficientes e haja indicação médica. Como a internação psiquiátrica envolve privação de liberdade, tem como
finalidade o tratamento e pode ser imposta, em alguns casos, contra a vontade do indivíduo, há que se ter extrema cautela em
sua imposição e execução. A Lei 10.216/01 trata, em seu art. 6º, da internação psiquiátrica, consignando que ela somente pode
ser realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Seu parágrafo único prevê três tipos: “I
- internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça”. A Lei 11.343/06
(lei de drogas), com a alteração promovida pela Lei 13.840/19, por sua vez, trata somente da internação voluntária e da
internação involuntária. Esta última é descrita como “aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de
familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos
órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de
motivos que justifiquem a medida” (art. 23-A, §3º, inc. II). Legislativamente, portanto, são previstas somente três hipóteses de
internação. O art. 8º da Lei 10.216/01 regulamenta a internação involuntária: “A internação voluntária ou involuntária somente
será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o
estabelecimento. § 1° A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao
Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo
procedimento ser adotado quando da respectiva alta. § 2° O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita
do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento”. A lei não esclarece
quem são os terceiros que podem solicitar a internação, mas o §2º do art. 8º, ao consignar que seu término pode ser solicitado
por familiar ou responsável legal, preenche satisfatoriamente essa lacuna. Se podem solicitar a desinternação, podem também
requerer a internação. Hoje a matéria está regulamentada de forma mais completa pelo art. 23-A da lei 11.343/06. Ainda que ele
se refira explicitamente a dependentes de drogas, é possível recorrer à analogia para utilizar sua regulamentação também à
internação involuntária dos que padecem de outros transtornos mentais. O que diferencia as internações involuntárias das
compulsórias é que as primeiras somente se justificam nas hipóteses de emergência e risco de morte, enquanto as últimas
podem ser impostas, mesmo na ausência daqueles pressupostos, desde que se constate a prática de um injusto penal pelo
paciente (e estejam presentes os requisitos para a aplicação da medida de segurança de internação). É justamente em razão da
urgência da medida que a internação involuntária pode ocorrer independentemente da prévia prática de um injusto penal e sem
o consentimento do sujeito desde que haja o pedido de algum familiar , submetendo-se a situação ao Ministério Público, à
Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização em até 72 horas. Na “absoluta falta” de familiar ou responsável legal,
permite-se que o pedido seja formulado por “servidor público da área da saúde, da assistência social ou dos órgãos integrantes
do SISNAD”. Embora a Lei 10.216/01 determine a comunicação somente ao Ministério Público e não trate da legitimidade ativa
para requerer a internação involuntária nos casos em que a pessoa não tem familiares ou responsável legal, a Lei 13.840/09, ao
inserir o art. 23-A na Lei 11.343/06, permite o entendimento de que, em qualquer internação involuntária, e não somente na do
dependente de drogas, o procedimento deverá ser igual. Normalmente se afirma que a distinção entre internação involuntária e
internação compulsória é que aquela não necessita de determinação judicial, ao contrário desta. Não há dúvida de que esta é
uma diferença relevante. Mas é uma distinção que se refere às consequências jurídicas, não aos fundamentos de uma e outra.
Somente se permite que aquela se aplique sem decisão judicial em razão da situação de emergência que a acomete. O
fundamento da internação involuntária, em rigor, está no art. 13 da lei 13.146/15: “A pessoa com deficiência somente será
atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado
seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais cabíveis”. Deve-se frisar a necessidade de observância ao art. 23-B
da Lei 11.343/06, com a avaliação prévia do paciente por equipe técnica multidisciplinar e multisetorial e a elaboração de um
plano individual de atendimento. Cabe à pessoa usuária de droga ilícita, fora do estado de surto, decidir se deseja ou não se
submeter ao tratamento. Obrigá-la a isso é o mesmo que obrigar um tabagista ou um viciado em álcool a desintoxicar-se de
maneira compulsória. A Constituição não o permite. O art. 5º, caput da CF garante a todos o direito à liberdade. O inciso LIV do
mesmo dispositivo constitucional assevera que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”. O art. 11 do Estatuto da Pessoa com Deficiência tem uma clareza cristalina: “A pessoa com deficiência não poderá ser
obrigada a se submeter a intervenção clínica ou cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização forçada”. Os artigos seguintes
ainda esclarecem melhor a questão: “Art. 12. O consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa com deficiência é
indispensável para a realização de tratamento, procedimento, hospitalização e pesquisa científica. § 1º Em caso de pessoa com
deficiência em situação de curatela, deve ser assegurada sua participação, no maior grau possível, para a obtenção de
consentimento. § 2º A pesquisa científica envolvendo pessoa com deficiência em situação de tutela ou de curatela deve ser
realizada, em caráter excepcional, apenas quando houver indícios de benefício direto para sua saúde ou para a saúde de outras
pessoas com deficiência e desde que não haja outra opção de pesquisa de eficácia comparável com participantes não tutelados
ou curatelados. Art. 13. A pessoa com deficiência somente será atendida sem seu consentimento prévio, livre e esclarecido em
casos de risco de morte e de emergência em saúde, resguardado seu superior interesse e adotadas as salvaguardas legais
cabíveis”. É necessário, enfim, para que seja legítima a internação involuntária, que o paciente, estando em surto, não tenha
condições de exarar o seu consentimento. A internação compulsória - prevista na Lei 10.216 ao lado da internação involuntária
-, por sua vez, equivale à medida de segurança de internação e pressupõe, portanto, a absolvição imprópria com a imposição de
internação em processo criminal. Não há, a rigor, uma internação compulsória civil, ao contrário do que é defendido por grande
parte dos penalistas. Ou se trata de internação involuntária que realmente não tem qualquer relação com o direito penal, mas só
se justifica em situação de emergência ou se trata de internação compulsória, que, para ser aplicada pelo judiciário, pressupõe
a prática de um injusto penal pelo portador de transtorno mental e deve ter um prazo máximo bem delimitado, além de respeitar
na íntegra todas as normas protetivas das pessoas com transtornos mentais. Haroldo Caetano menciona o art. 6º da lei
10.216/01, que prevê as internações voluntária, involuntária e compulsória, e passa a analisar esta última em conformidade com
o que dispõe o art. 9º: se a internação só pode ser determinada judicialmente de acordo com a legislação vigente (ou seja, outra
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º