TJSP 01/02/2022 - Pág. 2019 - Caderno 2 - Judicial - 2ª Instância - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: terça-feira, 1 de fevereiro de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 2ª Instância
São Paulo, Ano XV - Edição 3438
2019
(fls. 37/40). É o relatório. O pedido revisional não vinga. Com efeito, a revisão criminal foi concebida pelo legislador pátrio como
mecanismo destinado à desconstituição de julgados em hipóteses de evidente erro judiciário em tese albergadas pelo rol taxativo
insculpido no artigo 621 do Código de Processo Penal, corolário da segurança jurídica e da estabilidade da coisa julgada. No
caso, de forma nítida, pretende a Defesa rediscutir o acervo probatório já analisado em primeiro e segundo graus, não se
podendo confundir a via eleita com segunda apelação, sob pena de se deparar com hipótese de duplicidade de recursos, algo
não visado pelo legislador (TJESP, Revisão Criminal nº. 2200418-27.2017.8.26.0000, Relator Desembargador SÉRGIO RIBAS,
julgado 13-09-2018). A propósito, pontue-se não se verificar inequívoca contrariedade da solução condenatória diante da
evidência dos autos ou de texto legal expresso, a par de tampouco apresentada prova nova capaz de justificar excepcional
rescisão do título condenatório há muito tornado definitivo. Não obstante a ausência do pressuposto processual, conhece-se da
ação revisional em homenagem ao princípio da ampla defesa, reafirmando-se a higidez do decreto condenatório. Neste passo,
breve leitura da sentença e do v. Acórdão denota ampla análise da prova produzida sob o contraditório a respaldar a convicção
sobre a prática da lesão corporal de natureza grave por ANTÔNIO, algo extraído das coerentes narrativas do ofendido e da
própria confissão parcial do peticionário. Observe-se que o demandante, silente na Delegacia (fls. 86), admitiu parte da acusação
em pretório, afirmando ter ido passar alguns dias na casa do ofendido, seu cunhado, que agrediu a mulher grávida, razão pela
qual discutiram e entraram em luta corporal. Asseverou ter sido agredido primeiro e apenas revidou, chutando a cabeça da
vítima depois dela cair ao chão (CD e fls. 194 dos autos originários). Todavia, na Delegacia, declarou o ofendido Ronaldo da
Rocha residir com seus genitores, sua irmã e a filha dela, sendo certo que, há poucos meses, ANTÔNIO, companheiro da sua
irmã, também veio ficar um tempo no imóvel, após sair da penitenciária. Disse que o sentenciado não trabalhava, convivia com
pessoas de má índole e, aparentemente, consumia entorpecentes. Por suspeitar que o peticionário levava entorpecentes à
residência da família, pediu para conversar com ele, mas foi ignorado. Ao retornar de um bar, encontrou ANTÔNIO do lado de
fora do portão e passou a conversar sobre a possível atividade ilícita dele, momento em que o denunciado se exaltou e passaram
a discutir, entrando em luta corporal. Em seguida, dois indivíduos saíram de um matagal e passaram a ajudar ANTÔNIO, que
desferiu dois golpes com um martelo em sua cabeça. Diante das agressões, perdeu o sentido, despertando com a chegada da
ambulância (fls. 28/29). Em juízo, disse não se recordar muito bem dos fatos, mas confirmou ter sido agredido pelo peticionário
com golpe de martelo na cabeça, enquanto discutiam. Não se recordou se foi agredido por outras pessoas. Mencionou ter
suportado traumatismo craniano, ficando com um braço adormecido e a audição prejudicada (CD e fls. 196 dos autos originários).
Convém ressaltar que, no campo probatório, a palavra da vítima é sumamente valiosa, pois visa unicamente a descrever a
conduta de seu algoz e identificá-lo; vale dizer, ela não tem proveito em mentir, porquanto, se o fizer, pode, inclusive, incidir no
crime de denunciação caluniosa, por dar causa à investigação da Polícia ou ao processo judicial. E a testemunha Hilda da
Costa, genitora do ofendido, apesar de não ter presenciado a discussão, confirmou que estava em casa e viu seu filho sair.
Posteriormente, foi chamada pela vizinha e viu a vítima no chão, tendo o peticionário já deixado o local. Soube por vizinhos que
ANTÔNIO e a vítima discutiram (CD e fls. 34/35 e 195 dos autos originários). Confirmando a narrativa do ofendido, noticiam os
laudos periciais exibir Ronaldo cicatriz cirúrgica de neurocirurgia em parietal esquerda, com Glasgow 15, lucido orientado, fala
normal, diminuição de força (grau 4) de membro superior, normal. Relata déficit auditivo a direita (fls. 12 e 37 do feito principal),
quadro compatível com a dinâmica das agressões narradas por ele. De outra banda, inadmissível a excludente de ilicitude
suscitada, relativa à legítima defesa. A propósito, cabe repisar que Ronaldo foi agredido com um martelo, resultando traumatismo
crânio encefálico com afundamento, detalhe a rechaçar o emprego de força física moderada para repelir eventual agressão, a
par de não demonstrada, durante a instrução, situação capaz de indicar a excludente (artigo 156 do Código de Processo Penal),
sendo certo que o demandante admitiu ter golpeado a vítima com chute na cabeça depois dela cair ao chão, vale dizer, após
cessada a suposta/imaginária injusta agressão. Noutras palavras, a violência empregada não se mostrava o único meio à
disposição do agente, que podia se esquivar ou se desvencilhar de Ronaldo caso fosse alvo de alguma agressão, algo não
verificado, repita-se, servindo as peculiaridades das lesões para demonstrar desmedido e covarde ataque ao ofendido, o qual
permaneceu internado por uma semana, sofrendo traumatismo crânio encefálico. Nesse tom, como realçado no V. Acórdão,
para a alegada legítima defesa, ainda, deveria ser considerada a proporcionalidade da reação, relacionada com os meios
selecionados pelo defendente, e com a intensidade, do seu emprego. Devem ser suficientes para interromper a agressão atual,
ou para evitar que a agressão iminente se converta em atual. Como meio necessário se entende o que está ao alcance do
defendente, sendo imprescindível que faça o uso moderado desse. Assim, a excludente da ilicitude somente é reconhecida
quando não sejam superados os limites da contenção da ofensa ao bem jurídico tutelado, o que não se observou no processo,
até em face das lesões sofridas pela vítima. Aliás, o chute na cabeça do ofendido caído, não poderia ser entendido como
comportamento impediente de uma agressão (fls. 300 dos autos originários). Ademais, a declaração datada de 31 de julho de
2.020 e assinada pela vítima a fls. 11, indicando que deu início ao episódio, os ferimentos logo se cicatrizaram e não tem a
intenção de vê-lo preso por um fato já solucionado. Estão vivendo em harmonia e trata-se de pessoa trabalhadora, que, insultada,
acabou por reagir, além de denotar nítido interesse em proteger o cunhado, não é capaz de infirmar as declarações colhidas
durante a instrução e corroboradas pelos laudos periciais, a par de tampouco reforçar a tese de legítima defesa, mormente
porque nada elucida a respeito da motivação das agressões, somente indicando que o peticionário, insultado, acabou por reagir.
Aliás, sobre o assunto, ensina Guilherme de Souza Nucci que, na legítima defesa admitem-se as duas formas de agressão:
atual ou iminente. Tal postura legislativa está correta, uma vez que a agressão iminente é um perigo atual, portanto passível de
proteção pela defesa necessária do art. 25. Não é possível haver legítima defesa contra agressão futura ou passada, que
configura autêntica vingança, nem tampouco contra meras provocações, pois justificaria o retorno ao tempo do famigerado
duelo (Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado,16. ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2016, pág.
281, grifei e destaquei). Diante do quadro probatório em realce, indiscutíveis as agressões físicas suportadas pela vítima
Ronaldo a resultar na lesão corporal de natureza grave Tampouco se depara com erronia na aplicação da pena capaz de
respaldar a revisão pleiteada. Consoante v. Acórdão a fls. 297/303 dos autos principais, fixou-se a basilar metade (1/2) acima
do mínimo legal, a atingir um (1) ano e seis (6) meses de reclusão em face de circunstâncias judiciais desfavoráveis representadas
pela exacerbada gravidade e consequências do delito, porquanto o réu agiu de forma desproporcional, golpeando a vítima com
um martelo na cabeça, chutando-a depois de caída, sofrendo a vítima, ainda, alterações físicas e psíquicas que extrapolaram a
normalidade (fls. 303 dos autos originários). Aqui, diga-se que as peculiaridades narradas pela vítima (debilidade do membro
superior e perda parcial da audição), bem como o emprego de martelo para golpeá-la, denota dolo exagerado ou um plus de
reprovabilidade ultrapassando a média ínsita ao tipo penal, daí o imprescindível incremento como forma de se conferir maior
reprovação à conduta, sob pena de desprezo aos princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e individualização
do castigo. Já na segunda etapa do cálculo, majorou-se a reprimenda de um sexto (1/6) pela reincidência (condenação pretérita
e definitiva por roubo certidão a fls. 145 dos autos originários), chegando-se ao patamar definitivo de um (1) ano e nove (9)
meses de reclusão, à míngua de outras causas modificadoras. Ao reverso do aventado, a confissão qualificada ou parcial não
traduz a circunstância atenuante, não tendo ANTÔNIO colaborado com a apuração da verdade real. Sem dúvida, A pena é
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º