TJSP 06/06/2022 - Pág. 1282 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 6 de junho de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XV - Edição 3521
1282
vieram os documentos (fls. 18/32). A decisão de fls. 37/38 deferiu a tutela de urgência, determinando que a ré abstenha-se de
efetuar a suspensão do serviço de água ao autor, em razão do débito objeto da ação. A requerida apresentou contestação (fls.
43/49), alegando, em preliminar, que há perda do objeto, uma vez que o caso foi analisado internamente em dezembro de 2021,
retirando a cobrança logo na fatura seguinte. No mérito, afirma que corrigiu o erro internamente, sob o protocolo de nº
202107041226569, além do débito não ser cobrado nas seguintes faturas ao mês de novembro. Aduz que não possui
responsabilidade, além de impugnar os danos morais pleiteados. Pede a improcedência da ação. Juntou documentos (fls.
50/229). Não houve réplica (fl. 233). É O RELATÓRIO. DECIDO. A matéria é exclusivamente de direito, pois os fatos estão
demonstrados documentalmente. Por isto, impõe-se o julgamento antecipado da lide, a teor do artigo 355, I, do Código de
Processo Civil. Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com dano moral e pedido de tutela de
urgência ajuizada por Idail João Saggioro em face de Águas de Jahu, alegando, em suma, que houve a cobrança de multa
relativa a uma irregularidade pela ré, a qual fora sanada em fevereiro do mesmo ano. Afirma que não houve troca do hidrômetro
para a ré alegar um cálculo de média no consuma, e cobrá-lo. Sustenta que a cobrança é ilegítima. Pede a procedência da ação,
declarando inexigível o débito referente a multa cobrado na fatura com vencimento no mês de novembro 2021, bem como a
condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00. Em tutela de urgência,
requereu a abstenção de negativação de seu nome. A requerida, em sua defesa, sustenta que percebeu o erro internamente,
sendo corrigido, bem como o débito foi retirado das faturas seguintes e, por isso, não se configura ato ilícito. Aduz que há perda
do objeto, uma vez que procedeu a correção do erro. Por fim, impugna o pleito de indenização por danos morais. A ação
prospera em parte. Conforme informações prestadas pela própria ré em sua contestação, já foi realizada a revisão da fatura de
novembro de 2021 no âmbito administrativo (fl. 47), após o ajuizamento desta ação. Inclusive, a própria ré informou, em fl. 25,
que foi identificada uma irregularidade, o que levou à revisão das faturas com base na média de consumo dos 12 meses
anteriores. Na verdade, a própria requerida verificou que houve erro na emissão da fatura, pois estava cobrando débitos
pretéritos (fl. 44), retificando, assim, a fatura do mês de dezembro de 2021 (fl. 47), retirando a cobrança indevida. Evidente,
portanto, que houve reconhecimento do erro do débito cobrado na fatura pela requerida que, assim, procedeu à retificação nas
cobranças seguintes, como se vê das faturas dos meses de janeiro e fevereiro de 2022 (fls. 137/138), cujos valores são
correspondentes apenas ao consumo. E não há que se falar em extinção da ação sem apreciação do mérito, visto que o pleito
da parte requerente apenas foi reconhecido pela requerida quando já tramitava a presente demanda. Por isso, outra solução
não se presta à demanda, senão o acolhimento do pedido de inexigibilidade de débito formulado pela parte autora, ante o
reconhecimento por parte da ré, que, administrativamente, retificou o valor das faturas, as quais não mais englobaram a
cobrança da multa (fls. 137/138) e, consequentemente, à média de consumo do requerente. Este, por sua vez, não se manifestou
em réplica, portanto não rebateu a afirmação da parte requerida de que a irregularidade na cobrança já teria sido sanada.
Assim, a tutela de urgência deve ser confirmada, a fim de que a requerida abstenha-se de suspender o fornecimento de água no
imóvel do autor pela fatura vencida em novembro de 2021, no valor em que inicialmente emitida: R$ 2.171,22 (fl. 29). Quantos
aos danos morais, melhor sorte não socorrer o Autor. Em suma, os fatos resultaram em um mero dissabor ao requerente, que
não pode ser considerado abalo moral. A jurisprudência tem entendimento nesse sentido: “BANCÁRIOS Ação de indenização
por cobrança indevida c.c. pedido de indenização por danos morais Improcedência Alegação de negativa de concessão de
crédito por conta de apontamento restritivo Restrição interna e outros apontamentos externos existentes em nome da autora
Ausência de publicidade do apontamento interno Instituição financeira que não é obrigada a firmar contrato de empréstimo com
o correntista Danos morais inexistentes - Sentença mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 252 do RITJSP
- Recurso desprovido”. (TJSP; Ap. 1021659-67.2018.8.26.0309; Des. Rel. Flávio Cunha da Silva; j. 04/10/2021). (Grifo meu).
“Indenização por danos morais c/c pedido de devolução de cheques. Alegada frustração quanto ao cancelamento da compra,
ante a informação de restrição interna. Inversão do ônus da prova que não é absoluta, mas condicionada à verossimilhança das
alegações. Restrição em cadastro interno da Ré que não é apta a caracterizar dano moral. Necessária a demonstração de sua
ocorrência, o que seria necessário no caso em análise, uma vez que a existência de cadastro de restrições internas não possui
publicidade externa, a ensejar restrição ao crédito de forma ampla junto ao mercado. Dano moral, no caso, não caracterizado.
Honorários devidos pelas Autoras majorados para R$ 1.700,00. Recurso não provido”.(TJSP; Ap. 1010329-40.2017.8.26.0008;
Des. Rel. João Pazine Neto; j. 08/05/2018). (Grifo meu). Não há qualquer prova de que tal restrição tenha se tornado pública, o
que poderia ensejar indenização por danos morais. Como se vê, a existência de débito limitou-se ao âmbito interno das empresas
rés, não havendo que se falar em abalo moral. Tem-se notado, com muita frequência, o aumento exacerbado de processos nos
quais o autor sempre pleiteia danos morais. Toda e qualquer situação corriqueira da vida atual e que causa um mínimo de
transtorno na vida de qualquer pessoa já provoca, no seu íntimo, um manifesto desejo de deduzir ação de reparação de danos
moral em relação ao pretenso causador do transtorno. Sobre a disseminação indiscriminada de pedidos de dano moral, cite-se
a orientação doutrinária: “... o desabrochar tardio da reparabilidade do dano moral em nosso direito fez desenfrear uma demanda
reprimida, que por vezes tem degenerado em excessos inaceitáveis, com exageros que podem comprometer a própria dignidade
do instituto”. (YUSSEF SAID CAHALI, “Dano Moral”, 2ª ed., 1998, RT). Rotineiramente, surgem episódios como o levantado
nestes autos em que havendo frustrações decorrentes das relações de consumo, postula o consumidor pagamento de
indenização por dano moral. Não se trata de desrespeito a alegada dor moral sofrida. Todavia, mero desconforto e dissabor com
contratos que não tenham sucesso não tem dimensão suficiente para justificar a pretendida condenação. A questão do dano
moral merece ser analisada com equilíbrio, comedimento, moderação, ponderação e sabedoria, sob pena de alastramento
desenfreado de demandas. A jurisprudência também tem trilhado pelo mesmo caminho: “Não é todo sofrimento moral que pode
ou deve ser reparado pecuniariamente. É preciso que a dor tenha maior expressão, que a reparação seja socialmente
recomendável e que não conduza a distorções do nobre instituto” (TJSP - 4ª Câm. ap. civ. nº 41.580-4/0-SP, des. JOSÉ OSÓRIO
j. 06.08.98, v.u.). O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já consignou em diversos julgado que aborrecimentos do cotidiano não
justificam indenização por danos morais: REsp. nº 299.282, rel. min. BARROS MONTEIRO, j. 11.12.01, e REsp. nº 202.564, rel.
min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, j. 01.10.01. No mesmo sentido: “A inadimplência do contrato se resolve em perdas e
danos, sem que o aborrecimento que daí resulte à parte pontual caracterize dano moral” (AGA. nº 303.129, rel. min. ARI
PARGENDLER, j. 29.03.01). O des. DÉCIO ANTÔNIO ERPEN, digno integrante do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
já deixou claro o seu entendimento neste sentido, esposado na apelação nº 596.185.181, de que o direito existe para viabilizar
a vida, e a vingar a tese generosa do dano moral, sempre que houver um contratempo, vai culminar em truncá-la, mercê de uma
criação artificiosa. Num acidente de trânsito haverá dano material, sempre seguido de moral. No atraso de vôo haverá a tarifa,
mas o dano moral será maior. Nessa nave do dano moral em praticamente todas as relações humanas não pretende embarcar.
Finaliza o culto desembargador: “Se a segurança jurídica também é um valor supremo do direito, devemos pôr em prática
mecanismo tal que simplifique a vida, sem se estar gerando um estado generalizado de neurose do suspense”. Em suma:
turbulenta que é a matéria de se aferir o que caracteriza dano moral, compete ao julgador, com harmonia e equilíbrio, tomandose em conta o homo medius, aferir o que configura dano moral. Seguindo por este caminho, apenas deve ser considerado como
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º