TRF3 01/04/2014 - Pág. 999 - Publicações Judiciais I - Interior SP e MS - Tribunal Regional Federal 3ª Região
temperatura, sendo que saia tonto do forno e com a visão turva, até saia pele da cabeça e do nariz; que até depois
de um mês que deixou o local, ainda escarra preto; que não lhe era fornecido material para proteção, inclusive
trabalhavam com roupa própria; que a água que bebiam era do córrego; que José Carlos fornecia comida básica,
arroz, feijão e carne apenas uma vez ao mês, sendo que os próprios empregados a cozinhavam; que José Carlos
certa feita agrediu os empregados que chegaram bêbados para trabalhar; que o combinado era os valores acima
mencionados já descontados, um tanto por comida, água e moradia; que não tinham crianças trabalhando, apenas
adultos; que apenas recebia quando vendia caminhão de carvão; que caso não vendesse caminhão, não recebia;
que já ficou até 90 dias sem receber; que a cidade ficava a 60 Km; que não havia transporte para a cidade, nem
assistência médica; que era sem recurso de tudo; que não tinha como sair; que não tinha CTPS assinada; que
Valter Lúcio de vez em quando ia ao local, porque ficava mais na cidade e nunca agrediu funcionário; que as
necessidades eram feitas no mato e o banho era no banheiro comunitário de plástico e tinham que buscar água no
córrego; que tomavam banho de balde; que a água tinha gosto ruim; que inclusive depois que veio para cá, tirou
duas pedras do rim; que o barraco era muito precário e passavam muito frio; que nada era dado aos empregados
para amenizar o frio; que entrava vários bichos no barraco; que normalmente as pessoas adoecem depois que saem
do local, vítimas das péssimas condições que experimentaram com o trabalho; que tomava banho com sabonete
que comprovam; que pediu várias vezes para sair do local, mas sempre pediu para completar uma carga primeiro;
que pediu as contas para José Carlos, recebendo R$ 3.100,00 e veio embora para esta cidade em um caminhão de
carvão. A testemunha João Batista da Silva (fl. 501) disse que trabalhava para José Carlos e também confirmou as
péssimas condições de trabalho a que estavam submetidos: Quando cheguei lá, os alojamentos já estavam prontos.
Quem fornecia o plástico para cobrir os alojamentos era o José Carlos. Quem trabalha carbonizando não tem
horário fixo de trabalho, chegando a trabalhar a noite inteira. Para retirar o carvão tem que entrar no forno quente.
Nesse caso, o trabalhador entra no forno de madrugada. Nunca sofri queimadura trabalhando com a retirada de
carvão do forno. Depois de 30 dias o trabalhador continua a escarrar cor escura. Nos barracos fazia muito frio à
noite e calor de dia. Nunca vi José Carlos agredindo trabalhadores, mas isso podia acontecer se o trabalhador
estivesse bebendo. Isso não acontecia a respeito do serviço, mas por problema de bebida. Não havia banheiro. A
água vinha do córrego. Não me lembro se no local eram criados porcos. José Carlos levava os trabalhadores para a
cidade. Ele ia no local de 2 em 2 dias. Fora ele não tinha responsável. Os trabalhadores não eram registrados. Os
documentos ficavam comigo. Não fiquei sem receber salários. Destarte, a prova carreada aos autos, não infirmada
em nenhum momento pelos Réus, é suficiente a demonstrar a materialidade e a autoria do delito previsto no art.
149 do Código Penal.DA ADEQUAÇÃO TÍPICA DAS CONDUTAS Nesse passo, o tipo penal em evidência na
presente ação possui a seguinte configuração: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,
quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 1º Nas mesmas
penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retêlo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. 2º A pena é aumentada de metade, se o
crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem. (NR) (Artigo com redação determinada na Lei nº 10.803, de 11.12.2003, DOU 12.12.2003) Como bem
preleciona Cezar Roberto Bitencourt, reduzir significa sujeitar uma pessoa a outra, em condição semelhante
(equivalente) à de escravo, isto é, a condição deprimente e indigna. Destaca o ilustre doutrinador que é irrelevante
que a vítima tenha ou disponha de relativa liberdade, pois esta não lhe será suficiente para libertar-se do jugo do
sujeito ativo (Tratado de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p. 385). É certo que a restrição da
liberdade, para a adequação típica da conduta ao art. 149 do Código Penal, não necessita ser direta, ostensiva e
violenta. Tal restrição pode se dar de forma indireta, subliminar e moral. Para tanto, basta que a vontade do
empregado seja subjugada pela vontade do empregador. Basta que as próprias condições de trabalho oferecidas
acarretem tal subjugação, de forma a impossibilitar a manifestação de vontade pelo empregado, ou mesmo a
realização de sua vontade, como, aliás, ocorreu na espécie dos autos. Ora, ao serem abandonados em condições
precárias de trabalho, longe de suas famílias, sem acesso à informação e aos meios de transporte e coagidos pela
possibilidade de perda da remuneração em relação ao trabalho prestado, é certo que a vontade do indivíduo não se
manifesta com a mesma consciência daquele que não se encontra subjugado a tais fatores de pressão. Sua vontade
é viciada, subordinada e, muitas vezes, aniquilada, o que gera o aniquilamento de sua liberdade, por consequência.
Agregue-se a tais fatores que as vítimas são analfabetas, caracterizando-se, portanto, por serem trabalhadores mais
facilmente controlados e subjugados pelos senhorios. Esse conjunto de fatores leva à conclusão inarredável de
que, efetivamente, a liberdade dos empregados era aniquilada pelas próprias condições a que se encontravam
submetidos. A propósito, o E. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema:
PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA.
DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA
RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação
física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 01/04/2014
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