TRF3 01/04/2014 - Pág. 1000 - Publicações Judiciais I - Interior SP e MS - Tribunal Regional Federal 3ª Região
vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, condutas alternativas
previstas no tipo penal. A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade
pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua
liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só
mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao
trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas
segundo a sua livre determinação. Isso também significa reduzir alguém a condição análoga à de escravo. Não é
qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é
intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas
exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do
Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua
liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. (STF, Inq 3412, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2012,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 09-11-2012 PUBLIC 12-11-2012) No ponto, o E. Tribunal
Regional do Trabalho da 24ª Região já se pronunciou sobre o que deve ser considerado trabalho escravo na
atualidade: O trabalho escravo contemporâneo ou forçado é toda modalidade de exploração do trabalho humano
em que o trabalhador esteja impedido moral, psicológica e/ou fisicamente, de abandonar o serviço a despeito de
ter inicialmente ajustado livremente a prestação de serviços, ou como doutrinariamente se tem entendido, é
constituído pelo exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do
trabalhador, e/ou quando não respeitados os direitos mínimos para o resgate da dignidade do trabalhador. (TRT
24ª R.; RO 0035600-76.2009.5.24.0001; Segunda Turma; Rel. Des. Fed. Francisco das C. Lima Filho; Julg.
03/03/2010; DOEMS 09/03/2010) Destarte, o cotejo das provas carreadas aos autos permite inferir, sem qualquer
dúvida, que a situação em que se encontravam os trabalhadores nas carvoarias dos Réus se amolda perfeitamente
ao conceito contemporâneo de trabalho escravo. A propósito, confira-se: PENAL. CRIME CONTRA A
LIBERDADE. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO (ART. 149, CAPUT E 2º, I, DO CP).
AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. 1. Trabalhadores submetidos a condições de trabalho
degradantes, num cenário humilhante de trabalho, indigno de um humano livre, havendo não apenas desrespeito a
normas de proteção do trabalho, mas desprezo a condições mínimas de saúde, segurança, higiene, respeito e
alimentação, comprovam a autoria do crime previsto no art. 149 caput, do Código Penal. 2. Materialidade e
autoria comprovadas pelos documentos acostados e provas testemunhais produzidas. 3. Recursos parcialmente
providos. (TRF 1ª R.; Proc. 0000143-08.2007.4.01.3903; PA; Terceira Turma; Rel. Des. Fed. Tourinho Neto;
Julg. 05/11/2012; DJF1 30/11/2012; Pág. 643) SERVIÇOS PRESTADOS EM CARVOARIA. TRABALHO EM
CONDIÇÕES DEGRADANTES. I. Segundo José Cláudio Monteiro de Brito Filho, pode-se dizer que trabalho
em condições degradantes é aquele em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da ausência
de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação, tudo devendo ser garantido (...)
em conjunto; ou seja, em contrário, a falta de um desses elementos impõe o reconhecimento do trabalho em
condições degradantes . II. A ausência de instalações sanitárias adequadas, a falta de água potável, o alojamento
com chão batido, sem paredes adequadas para vedar as intempéries e sem armários para o acondicionamento de
pertences, a falta de local apropriado para refeições, a conservação inadequada de alimentos, o não fornecimento
de EPIs, a falta de capacitação dos trabalhadores para operar motosserra, bem como a ausência de meios
necessários para a prestação de primeiros socorros, em caso de acidente, caracterizam, em seu conjunto, trabalho
prestado em condições degradantes. Recurso ordinário provido, por maioria. (TRT 24ª R.; RO 303/2007-36-24-06; Segunda Turma; Rel. Des. Nicanor de Araújo Lima; Julg. 18/03/2009; DOEMS 01/04/2009) Não aproveita à
defesa dos Réus o fato de alguns trabalhadores dizerem que não estavam obrigados a permanecer naquele local ou
que consentiam com as condições degradantes a que estavam submetidos. Isso porque, a partir da vigência da Lei
nº 10.803/2003, que alterou substancialmente o tipo penal previsto no art. 149, CP, os bens jurídicos tutelados
pela norma penal passaram a ser a dignidade e a liberdade do trabalhador. Preceitua Cezar Roberto Bitencourt
que, ainda que se considere, em tese, a liberdade como bem jurídico disponível, o consentimento do ofendido,
mesmo que validamente manifestado, não afasta a contrariedade ao ordenamento jurídico, em razão dos bensvalores superiores concomitantes à liberdade (Tratado de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v.2, p.
386). Na mesma linha, enfatizam Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini que: A inconsciência da vítima
quanto a essa condição não elide o crime. O seu consentimento à submissão não afasta a ilicitude do fato, em
razão da indisponibilidade dos bens tutelados pelo dispositivo. (Manual de Direito Penal. 28. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, v.2, p. 159) Não se cogita, também, da necessidade de uma análise regionalizada para a
consideração da degradação humana como sugere a defesa. Ora, as condições humilhantes a que estavam
submetidos os trabalhadores são humilhantes no Centro-Oeste, no Norte, Sul ou Nordeste do país, eis que a
violação da dignidade do trabalhador não altera seu conceito conforme o endereço do patrão. Note-se que, ainda
que se diga que o próprio patrão se submetia às mesmas condições, como se sugeriu em relação ao Réu José
Carlos, tal não excluiu seus deveres trabalhistas e a necessidade de respeito à dignidade dos demais trabalhadores
que estavam sob sua subordinação. Com relação à defesa do Réu Walter, as condições em que foram flagrados os
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 01/04/2014
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