TJBA 05/10/2022 - Pág. 1264 - CADERNO 1 - ADMINISTRATIVO - Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.192 - Disponibilização: quarta-feira, 5 de outubro de 2022
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Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
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Processo: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO n. 0504179-04.2020.8.05.0001
Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal 2ª Turma
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DA BAHIA
Advogado(s):
RECORRIDO: JOÃO LUCAS SOARES DOS SANTOS
Advogado(s):
ACORDÃO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO MINISTERIAL. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL COM BASE EXCLUSIVAMENTE NA AUSÊNCIA DE CONFISSÃO DO ACUSADO EM
SEDE POLICIAL. NECESSÁRIO CONTROLE DE LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE. CONFISSÃO FORMAL E CIRCUNSTANCIADA DEVE SE DAR PERANTE O MP, NA PRESENÇA DO DEFENSOR DO ACUSADO, APÓS A CIÊNCIA DAS
CONDIÇÕES E VANTAGENS DA TRATATIVA. NATUREZA NEGOCIAL. RECUSA DISSONANTE DA JUSTIÇA CONSENSUAL.
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA AO DIREITO AO SILÊNCIO NA FASE INQUISITORIAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO
DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DOUTRINA E PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS
NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE OFERECIMENTO DO ANPP APENAS EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE
CONFISSÃO EM SEDE POLICIAL. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL NESSE SENTIDO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE
AGIR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPERIOSA A REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO POR
ANALOGIA DO ART. 28-A, § 14º, DO CPP. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO SISTEMA ACUSATÓRIO. DECISÃO DE REJEIÇÃO
DA DENÚNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I – Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA contra a decisão
proferida pelo JUÍZO DA 1ª VARA TÓXICO DA COMARCA DE SALVADOR/BA, que rejeitou a denúncia oferecida em desfavor
de JOÃO LUCAS SOARES DOS SANTOS, pela suposta prática do delito previsto no art. 33, da Lei 11.343/06 e art. 14, da Lei
10.826/03 em razão do não oferecimento pelo Parquet do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), com base, exclusivamente,
na ausência de confissão do Acusado em sede policial.
II – Sustenta o Parquet, em síntese, que o Denunciado não faz jus ao instituto do ANPP, em razão da inobservância de requisito
legalmente expresso no art. 28-A, caput, do CPP, qual seja, a confissão formal e circunstanciada, revelando-se idônea a propositura de ação penal em seu desfavor. Alega, outrossim, que o Poder Judiciário não pode se insurgir contra ato privativo ministerial,
podendo, no máximo, instar o órgão revisional do Ministério Público, no caso de discordância a esta recusa implícita, em analogia
ao art. 28-A, § 14º, do CPP.
III – O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é instituto novel no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido incluído pela
Lei n.º 13.964/2019, conhecida por “Pacote Anticrime”, como mais um mecanismo despenalizador, típico da “justiça negocial”,
tornando a ação penal medida extrema nos ilícitos supostamente praticados sem violência ou grave ameaça, e cuja pena mínima
não supere quatro anos, nos termos do art. 28-A do CPP.
IV – In casu, com base exclusivamente na ausência de confissão do Denunciado em sede policial, em que pese o delito tenha
supostamente sido praticado sem violência ou grave ameaça e preveja pena mínima inferior a quatro anos, e sem justificar a
ausência de necessidade ou suficiência do acordo para a reprovação ou prevenção do crime, o Ministério Público entendeu por
bem não oferecer o Acordo de Não Persecução Penal.
V – Ocorre que, como cediço, nos termos da doutrina majoritária, a “confissão formal e circunstanciada”, exigida como requisito
prévio à oferta do ajuste (art. 28-A do CPP), deve ocorrer perante o próprio Ministério Público.
VI – Isto porque, em primeiro lugar, o Acusado, quando interrogado na Delegacia de Polícia, muitas vezes sem a presença de
Defensor, não tem ciência de que a ausência de sua confissão levará à não propositura do ANPP pelo Parquet, inclusive porque
não é dada à Autoridade Policial tal tarefa de notificação, eis que não é ela quem detém os meios de barganha para auferir a
anuência do Acusado, e sim o dominus litis.
VII – Nesse ponto, é curial observar que, em sede inquisitorial, vige o constitucional direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, da CF), uma
vez que, em um modelo de Estado Democrático de Direito, ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo (“nemo tenetur
se detegere”).
VIII – Consoante se extrai da natureza do instituto, baseado no norteamericano “plea bargain”, a confissão formal é uma das
variáveis postas à mesa de negociação entre o Ministério Público e o Investigado, na presença do seu Defensor, após a devida
ciência das condições e vantagens da tratativa. Inteligência do art. 6º do Ato Normativo Conjunto n.º 003/2021 do TJ/BA e do
art. 18, § 2º, da Resolução n.º 181/2017 do CNMP. Orientações sobre a aplicação do instituto pelo MPF e MP/SC nesse sentido.
Doutrina Majoritária.
IX – Assim, não restam dúvidas que transportar a necessidade de confissão para momento anterior à proposta de ANPP trata
de subverter completamente a natureza negocial do mecanismo, além de violar o direito ao silêncio, bem como os princípios do
devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
X – Na I Jornada de Direito Penal e Processo Penal, o Superior Tribunal de Justiça aprovou o Enunciado n.º 3, que não deixa
dúvidas sobre a questão: “A inexistência de confissão do investigado antes da formação da ‘opinio delicti’ do Ministério Público
não pode ser interpretada como desinteresse em entabular eventual acordo de não persecução penal”.
XI – Destarte, concessa maxima venia à citada Nota Técnica n.º 01/2020 do Ministério Público do Estado da Bahia, não tem cabimento deixar de notificar o Acusado sobre o interesse em entabular ANPP, com base exclusivamente na ausência de confissão
em sede policial, padecendo tal Nota Técnica de manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade.
XII – Ilegalidade, uma vez que o art. 28-A do CPP nada fala sobre “confissão policial” e sim sobre “confissão formal e circunstanciada”, o que deve se dar, prioritariamente, perante o dominus litis. E inconstitucionalidade, em razão da violação ao direito do
silêncio e aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
XIII – Trata-se de controle de legalidade e inclusive de constitucionalidade a ser realizado pelo Magistrado, não havendo que se
falar em interferência do Judiciário na autonomia do Ministério Público, que permanece com os seus critérios de conveniência e