TJSP 12/02/2010 - Pág. 163 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano III - Edição 653
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como resultado dos próprios atos? O Juiz é um ser humano e não um mero aplicador robótico de formulas legais; ele deve
analisar a letra da Lei alicerçado em princípios que sempre regeram a humanidade e justificaram a existência do próprio Estado
- a busca do que é “Justo” que sempre está ligada à resposta ou resultado decorrente da prática de certo ato. É princípio que
rege e justifica o direito a ação do Estado para que o autor de certa conduta seja responsabilizado por ela, segundo as regras
do direito posto - direito objetivo. Alguma conseqüência tem de haver, senão de nada vale o Poder Judiciário responsável pela
interpretação e aplicação “correta” da lei. Ao devedor - reconhecido como tal pelo Poder Judiciário - compete pagar o que deve;
esta é a conseqüência pela constituição da dívida. Substituindo a vontade legítima do credor de receber o que lhe foi prometido,
atua o Estado para compelir o devedor a pagar; em alguns casos até com prisão (alimentos), noutros casos com a expropriação
dos seus bens para “dar ao credor o que lhe é devido”, ou seja, fazer JUSTIÇA. É a falência do Judiciário e da sua razão de ser,
reconhecer que o devedor tem patrimônio e afirmar ao credor que “nada” deste patrimônio pode ser retirado para lhe dar o que
lhe é devido, ou seja, para lhe FAZER JUSTIÇA! Quando isto acontece fica a pergunta: Para que serve o Poder Judiciário?
Onde está a Justiça que ele tem o dever de garantir? Estabelece a Constituição Federal a Justiça como objetivo fundamental do
Estado brasileiro. “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade
livre, justa e solidária; (grifei) Deste modo, também a Constituição Federal determina que a JUSTIÇA seja observada como
princípio maior; assim regra legal que estabeleça situação injusta está em visível confronto com este “principio” que é fundamento
de todos os Estados livres e democráticos. Considera, ainda, a Constituição como “direito fundamental” a retribuição justa, ou
seja, responsabilizar aquele que pratica atos pelo seu resultado, o que reafirma a vontade política do legislador de prevalecer a
“JUSTIÇA”, confira o que determina o artigo 5º: Art. 5º: V - “ É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de
indenização por dano material, moral ou à imagem; XLV - Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação
de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”; (grifei) Posto isto, a obrigação de ser “JUSTO” - dar a cada um o
que lhe é devido - não só está acima da lei, posto que precede ao direito posto, como também está escrita na Constituição
Federal como “princípio básico”. Como lecionado nos bancos escolares, no conflito entre a lei e a Justiça, deve o interprete
optar, sem sobra de dúvida, pela JUSTIÇA. Destarte, feitas estas reflexões visando restabelecer o equilíbrio destas situações
contraditórias, passa à análise do fato objeto do processo. Conforme documento de fls. 65, o devedor recebe mensalmente a
quantia líquida de R$ 865,99. A execução é de R$ 815,40. Destarte, a penhora do percentual de 20% não compromete a
subsistência do empregado, posto que ainda lhe resta quantia superior ao salário mínimo que é considerado pela Constituição
Federal em seu artigo 7º, inciso IV, como suficiente ao atendimento das “necessidades vitais básicas e às de sua família como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social,..” (sic). Desta forma não é
admissível à extensão do artigo 649 do Código de Processo Civil, tornando a integralidade do salário ou vencimentos
impenhoráveis, inviabilizando o Poder Judiciário de fazer Justiça, ou de dar a credor uma resposta “justa”. Ninguém em sã
consciência é capaz de afirmar que o devedor deva ficar sem pagar a dívida que contraiu, pouco importa quem seja seu credor,
pois a regra que pode hoje discriminar o credor rico é a mesma regra que impede o pobre de receber do rico. Exemplo: o
pedreiro ou pintor que não pode penhorar pequeno percentual daquele que ganha altíssimo salário. Onde fica a Justiça? Ora,
quem deve tem a obrigação moral e legal de pagar! O salário, por sua vez, representa o que o trabalhador aufere para cumprir
com suas obrigações, sejam elas para sua sobrevivência, sejam elas para seu deleite pessoal que também é considerado como
indispensável à dignidade humana; assim pelo menos parte dele, desde que não inviabilize a sobrevivência do devedor, pode
ser penhorado para fazer Justiça ao credor, pois o “crédito”, em última análise, tem na sua origem finalidade de sobrevivência e
manutenção da dignidade do devedor, ou seja, era este também o motivo do devedor quando procurou e obteve o crédito que
hoje se recusa a pagar. Deste modo, a sobrevivência e a dignidade humana, é também causa remota do “crédito constituído”, os
valores que ele representa possibilitaram ao devedor sua sobrevivência e sua dignidade, agora depois de utilizados, na hora de
pagar, não se pode esquecer dos benefícios que proporcionou ao devedor e sua família. Posto isto, por ferir o princípio geral de
direito acima mencionado - a qualidade do que é “Justo” - e os princípios constitucionais do artigo 3º, inciso I, combinado com
artigo 7º, inciso IV, ambos da Constituição Federal, a vedação “absoluta” do artigo 649, IV, do Código de Processo Civil, é
inconstitucional. Considero-a relativa para que percentual dos vencimentos, dentro dos limites que a lei admite sejam
comprometidos, possam ser penhorados para pagamento ao credor. Frise-se, finalmente, que a deliberação de penhora de
percentual que não compromete a sobrevivência do devedor, além de fazer Justiça ao credor torna a execução menos onerosa
ao devedor, porquanto lhe possibilita cumprir a obrigação de forma parcelada sem novos ônus de editais, diligências, intimações,
ou seja, despesas processuais. Assim, a providência está, também, em perfeita concatenação com o artigo 620 do Código de
Processo Civil, cujo comando é destinado exclusivamente ao “Juiz da execução”. Destarte, considerado que os valores recebidos
pelo devedor, nos termos da Constituição Federal, são mais que suficientes à sua manutenção e de seus familiares, DEFIRO a
penhora de 20% do salário mensal do executado, até liquidação do débito objeto deste processo. A providência é indispensável
para tornar efetiva a prestação jurisdicional, porquanto não foram localizados bens da devedora, tampouco ela indicou bem que
pudesse garantir a execução. Adotando posição semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão deste juízo:
“Agravo de Instrumento. Execução de Título judicial. Penhora “on line” reduzida para 15% sobre os vencimentos do executado.
Não tendo ocorrido a penhora sobre 100% dos vencimentos , mas apenas 15%, tal ato não causa onerosidade excessiva,
porque não está além daquele patamar permitido para o caso de consignação em folha de pagamento (1/3 dos vencimentos),
situação que se equipara à hipótese dos autos, e ainda, preserva a dignidade e as condições de sobrevivência do devedor, que
é médico, executado no valor de R$ 2.313,74 (fls. 72). Ausência de violação à impenhorabilidade de salário. Razoabilidade e
proporcionalidade”. RECURSO NÃO PROVIDO” (sic). (Ag. Inst. Nº 7.132.690-0, 14ª Câm. Dto. Priv. “B” - Rel. Gioia Perini). Até
o próprio STJ já trilha por este caminho para considerar a possibilidade de penhora de percentual dos vencimentos, numa
inequívoca interpretação de que a vedação do artigo 649, IV, é relativa e não absoluta. Confira-se: (REsp 770797 / RS ;
RECURSO ESPECIAL 2005/0125594-1, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, j.
29/11/2006, DJ 18.12.2006 p. 377 RDDP vol. 48 p. 170) Ementa “DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. EXECUÇÃO
DE ALIMENTOS. PENHORA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. ART. 649, IV E VII, DO CPC. PENHORA DA
INTEGRALIDADE DO VALOR DA APOSENTADORIA. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO EM PERCENTUAL
QUE POSSIBILITE A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO-ALIMENTANTE. - Os proventos líquidos de aposentadoria podem ser
penhorados para pagamento de execução de pensão alimentícia, não obstante o inc. VII, do art. 649, do CPC silencie a esse
respeito. - Para pagamento de prestação alimentícia, não pode ser penhorada a integralidade dos proventos líquidos de
aposentadoria, mas apenas um percentual que permita o indispensável à subsistência do executado-alimentante; que, na
espécie, é fixado em 66% dos proventos líquidos da aposentadoria mensal do recorrente. Recurso especial provido apenas para
adequação do percentual da penhora”. (AgRg no Ag 688511 / RS ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2005/0104774-6, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110), Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA, j. 06/10/2005,
DJ 21.11.2005 p. 252). Ementa “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE DINHEIRO.
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º