TJSP 10/01/2013 - Pág. 2011 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 10 de Janeiro de 2013
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano VI - Edição 1332
2011
sob o título de serviços de terceiros e serviço correspondente não bancário por serem, tais cobranças, ônus da instituição
financeira e não serviços prestados ao consumidor de maneira que abusiva e ilícita a inclusão de tarifas, tais como as
mencionadas, nas parcelas do financiamento e, para tanto, apresentou cópia da cédula de crédito bancário decorrente do
contrato de financiamento encetado com a requerida (fls. 11/12). A requerida apresentou defesa a fls. 17/34. No mais, dispensado
o relatório nos termos do artigo 38, caput, da Lei 9.099/95. FUNDAMENTO e DECIDO. Cuida-se de pedido de restituição de
tarifas indevidamente pagas pela requerente em virtude do financiamento de um veículo automotor. Alega o autor que tais tarifas
foram embutidas indevidamente no valor das parcelas, sustentando representarem indevida vantagem auferida pela instituição
financeira. A requerida apresentou contestação sustentando a legalidade da cobrança das tarifas impugnadas. Consoante cópia
da cédula de crédito bancária encartada a fls. 11/12 verifica-se que, dentre as cobranças aduzidas na inicial, foram efetivadas,
na contratação com o autor, serviço correspondente não bancário (R$ 400,00) e pagamento de serviço de terceiros (R$ 238,21).
Na tentativa de moralizar as operações de crédito que englobam os financiamentos de veículos o Banco Central baixou a
resolução 3517, de dezembro de 2007, que passou a valer em 03 de março de 2008, e dispõe sobre a informação e a divulgação
do custo efetivo total correspondente a todos os encargos e despesas de operações de crédito e de arrendamento mercantil
financeiro, contratadas ou ofertadas a pessoas físicas. A resolução obriga que todas as instituições financeiras entreguem aos
clientes um documento chamado Custo Efetivo Total (CET), e nele, o consumidor tem descrito em detalhes tudo o que está
pagando: o valor financiado, os juros, impostos, taxas, seguros, entre outros, incluindo até os chamados “serviços de terceiros”,
onde deverá estar mencionada a taxa de retorno. Cabe assinalar que a resolução não proíbe a utilização de taxas de retorno ou
outros adicionais, no entanto, deve ser deixado bem claro ao consumidor tudo o que ele está pagando por meio do Custo Efetivo
Total (CET) que deve ser entregue ao cliente antes da contratação da operação de crédito. No entanto, a ausência de proibição,
pelo Banco Central, não induz à legalidade das cobranças encetadas, as quais são abusivas face ao Código de defesa do
Consumidor. No tocante é indevida a cobrança a título de “serviços de terceiros”, vez que sequer é mencionado qual tipo de
serviço está sendo cobrado, mas a se tomar pela prática de cobrança em contratos similares, vislumbra-se tratar-se de “taxa de
retorno” paga ao vendedor do veículo financiado em virtude da indicação da instituição financeira como operadora de crédito a
fornecer o valor necessário para a aquisição do automóvel. Assim sendo, a taxa de retorno ou serviço de terceiro, como
consignado na cédula de crédito bancário, é uma espécie de comissão que o banco ou financeira paga ao lojista em razão do
financiamento engajado por meio de sua intermediação ou indicação, funcionando como uma forma de fidelização entre
instituição financeira e lojista. Abusiva a cobrança de taxa de retorno, aqui designada serviço de terceiro, vez que ilegal a prática
de cobrar de clientes as despesas relativas aos custos do financiamento. É o próprio banco quem deve arcar com tal despesa
até porque taxa de retorno corresponde ao valor de uma comissão paga ao lojista por indicar determinada instituição financeira
como agente financiador, nada tendo a ver tal comissão com o custo do bem a ser adquirido, ou mesmo com o custo do
financiamento do bem. Melhor analisando a hipótese, o consumidor paga a “tarifa” ou “taxa de retorno”, embutida nas parcelas
do financiamento porque aceitou financiar o bem adquirido do lojista pela financeira que trabalha em parceria com ele, sem
olvidar que, em geral, o financiamento é encetado no interior da própria agencia vendedora do veículo, tudo a praticamente
impedir que o consumidor contrate em outro lugar o financiamento de seu automóvel, e ainda paga mais por isso sob os
auspícios de vantagens e facilidades. A cobrança de tal tarifa é abusiva nos termos do artigo 39, V, CDC e a cláusula que
autoriza sua cobrança nula de pleno direito nos termos do artigo 51, IV, XV do CDC. O mesmo se diga com relação à tarifa de
emissão de carnê (TEC), ou, como mencionado na cédula de fls. 11/12, “Serviço Recebido por Parcela”, pois a instituição
financeira tem o dever contratual e legal de fornecer ao consumidor e seu cliente recibo das parcelas pagas do financiamento e,
assim, cabe-lhe remeter as folhas do boleto para compensação bancária, que servem de recibo de pagamento, não lhe sendo
lícito repassar o custo desta operação ao consumidor. O valor de R$ 400,00, intitulado “Serviços Correspondente Não Bancário”
provavelmente refere-se à (TEC) Tarifa de emissão de carnê, diluído nas parcelas do financiamento. Ainda que assim não seja,
o valor é igualmente improcedente vez que se constitui em serviços de terceiros, prestados em prol da Instituição Financeira,
cujo custo fora indevidamente repassado ao consumidor. As cobranças indevidas ainda se revestem de maior abusividade e
sem possibilidade de ingerência do consumidor porque insertas em contrato de adesão. Tendo sido o contrato de financiamento
encetado por meio de contrato de adesão, há que se desbastar o excesso contratual do valor mais elevado, para se aplicar a
eqüidade. Carlos Maximiliano delineia as diretrizes de interpretação do contrato de adesão: a) contra aquele em benefício do
qual foi feita a estipulação; b) a favor de quem a mesma obriga e, portanto, em prol do devedor e do promitente; c) contra o que
redigiu o ato ou cláusula, ou melhor, contra o causador da obscuridade ou omissão” (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, pág.
351). Além dessa interpretação favorável ao aderente, deve ser levada em consideração a relação de consumo existente entre
o mutuário e a instituição financeira, aplicando-se para tanto o disposto no art. 47 da Lei n° 8.078/90 que estabelece: “As
cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Ao Direito cabe a tarefa de impor o
equilíbrio nas relações contratuais e a Justiça a de interpretar a manifestação de vontade das partes. A propósito do tema, não
foi inutilmente que se inseriu no Código Civil Brasileiro a disposição do art. 85, in verbis: “As declarações de vontade se atenderá
mais a sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. Para tanto, o absolutismo do pacta sunt servanda, herdado do Direito
Canônico, cede espaço de forma crescente para limitação da autonomia da vontade, submete-se o instrumento ao princípio do
dirigismo contratual. O Código de Defesa do Consumidor é um exemplo típico da intervenção do Estado nas relações contratuais,
plenamente justificável pela predominância dos “métodos de contratação em massa”, na expressão de Enzo Roppo, na obra “O
Contrato”, pág. 313. No contrato de adesão o seu conteúdo é preestabelecido por uma das partes, restando à outra somente a
possibilidade de aceitar em bloco as cláusulas estabelecidas, sem poder modificá-las substancialmente, ou, então, recusar o
contrato e procurar outro fornecedor de bens. Assim, os consumidores que desejarem contratar com a empresa ou mesmo com
o Estado já receberão pronta e regulamentada, geralmente em formulários impressos, a relação contratual, seus direitos e
obrigações, não havendo negociação contratual dos termos desse contrato. Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar
(muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas do contrato, assumindo um papel de simples aderente à vontade
manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado”(“Direito do Consumidor”, vol. 1, Ed. Revista dos Tribunais; “
‘’Novas Regras sobre a Proteção do Consumidor das Relações Contratuais”, Cláudia Lima Marques, pág. 30) . O artigo 54 do
Código de Defesa do Consumidor define o contrato de adesão como aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Assim, as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que não o forem, e
que as partes tiverem admitido. As antecedentes e subseqüentes que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas. Nos
casos duvidosos, decidir-se-á em favor do devedor. No caso dos autos, o que se verifica é a cobrança a título de serviço
correspondente não bancário e pagamento de serviço de terceiros que, de fato, encareceram o financiamento contratado em
cerca de R$ 638,21 (fls. 11/12), em consonância com a estipulação prevista na inicial. Assim, de rigor a declaração de nulidade
das cláusulas que possibilitam a cobrança de tais tarifas posto serem abusivas, não tendo sido dada oportunidade ao consumidor
para discutir tais cláusulas, insertas no contrato de adesão e que representam custos do serviço de concessão de financiamento
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º