TJSP 01/02/2021 - Pág. 1523 - Caderno 2 - Judicial - 2ª Instância - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 2ª Instância
São Paulo, Ano XIV - Edição 3207
1523
Intimem-se.
São Paulo, 19 de janeiro de 2021.
MARCOS CORREARelator - Magistrado(a) Marcos Correa - Advs: Defensoria Pública do Estado de São Paulo (OAB: 99999/
DP) - 10º Andar
Nº 2004307-31.2021.8.26.0000 - Processo Digital. Petições para juntada devem ser apresentadas exclusivamente por
meio eletrônico, nos termos do artigo 7º da Res. 551/2011 - Habeas Corpus Criminal - São Paulo - Paciente: Karina Aparecida
Ferreira dos Santos - Impetrante: Julio Americo de Campos Alduino - Vistos, etc. 1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de
liminar, impetrado por Júlio Américo de Campos Alduíno em favor de Karina Aparecida Ferreira dos Santos. Alega, em suma,
que a paciente, preso preventivamente pela suposta prática do crime de tráfico de drogas, padece de constrangimento ilegal por
ser mãe de duas crianças menores de 12 anos, de sorte a fazer jus à prisão domiciliar, nos termos da decisão proferida no HC
nº 143.641 do Supremo Tribunal Federal. Busca a prisão domiciliar. A liminar, em sede de habeas corpus, reclama um quadro,
desenhado a partir de uma cognição sumária, compatível com o momento processual, em que o acenado constrangimento ilegal
avulte com elevado grau de verossimilhança. Cuida-se, com efeito, de medida excepcional, reservada para aquelas situações
em que a ilegalidade, à primeira vista, mostre-se flagrante. Não se divisa esse panorama no caso vertente. Aparentemente, há
indícios de que a paciente cometeu crimes de tráfico de drogas, corrupção de menores e receptação, envolvendo a aquisição de
um aparelho celular produto de roubo e aproximadamente 37,5 gramas de cocaína e 380,2 gramas de maconha, em concurso
com adolescente (fls. 20/23). Quadro que, mesmo à luz das notícias de que é mãe de crianças pequenas (fls. 16 e 17), não faz
a decisão que não substituiu a prisão preventiva por prisão domiciliar manifestamente ilegal. Certo que o Egrégio Supremo
Tribunal Federal concedeu ordem de habeas corpus coletivo (HC nº 143.641, Relator Ministro Ricardo Lewandowski),
determinando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes puérperas ou mães de
crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do artigo 2º, do ECA e da Convenção Sobre Direitos das Pessoas com
Deficiência, relacionadas no processo DEPEN e outras autoridades estaduais, decisão que foi estendida às demais mulheres
presas não constantes das relações existentes nos autos. No entanto, pontuou o Excelso Pretório, no referido julgamento, a
existência de situações em que a prisão domiciliar poderia ser negada, mais precisamente: a) no caso de crime praticado com
violência ou grave ameaça; b) delito perpetrado contra seus descendentes; c) em situações excepcionalíssimas, as quais
deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegaram o benefício (teor da decisão colhido através de consulta
ao sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal). Vale dizer, não se considerou que o direito à substituição é absoluto, no
sentido de que não basta que a mulher se encontre em alguma das situações previstas no artigo 318, III, IV ou V, do Código de
Processo Penal, para que, automaticamente, tenha direito à prisão domiciliar. Existem circunstâncias apontadas na r. decisão que, se presentes, tem o condão de empecer o benefício. Orientação que, salvo melhor juízo, afina-se com entendimento,
abraçado pelo atual dogmática jurídica, no sentido de que não há direitos absolutos, como, de resto, já assentou o próprio
Supremo Tribunal Federal (MS nº 23.452-1, rel. Min. Celso de Mello; Ag. Reg. no RE nº 455.283-3, rel. Min. Eros Grau, HC nº
93.250-9, relatora Min. Ellen Gracie). Atentando-se a estas diretrizes, tem-se que a hipótese não comporta a prisão domiciliar.
Com efeito, na linha do gizado, as condutas imputadas à paciente são muito censuráveis no campo penal, destacando-se a
quantidade, natureza e diversidade das drogas, a participação de adolescente e a aquisição de aparelho celular produto de
roubo. Panorama a indicar que se cuida de pessoa perigosa, de sorte que a prisão domiciliar, situação em que a restrição da
liberdade não é submetida a um rigoroso controle (na prática, não há condições de uma fiscalização eficaz), não avulta como
medida suficiente para a garantia da ordem pública. Ou seja, tomando-se em conta os parâmetros estabelecidos na decisão do
Excelso Pretório, tem-se um quadro excepcional a justificar a não concessão da prisão domiciliar. Não se olvida a edição da Lei
nº 13.769/18, que, alterando o Código de Processo Penal, acrescentou o artigo 318-A, cujo texto é o seguinte: Art.318-A. A
prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será
substituída por prisão domiciliar, desde que: não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa. não tenha
cometido o crime contra seu filho ou dependente. No entanto, mesmo à luz da nova dicção legal, a hipótese não enseja a
substituição reclamada. Na interpretação do referido dispositivo legal há que se atentar para o elemento teleológico, que
sobrepuja a mera literalidade do texto, na linha, aliás, do que preceitua o artigo 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (FRANCISCO AMARAL, Direito Civil, Introdução, Renovar, 5ª edição, págs. 88/89; JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO,
O Direito, Introdução e Teoria Geral, Renovar, 2ª edição, págs. 430/431). Nesta ordem de ideias, embora não conste do texto de
lei a possiblidade de ser negado o benefício em casos excepcionalíssimos, tal como o firmado pela decisão do Supremo Tribunal
Federal, a melhor compreensão da norma sobretudo à luz do julgado do Excelso Pretório é no sentido da subsistência desta
terceira causa de exclusão da substituição, porquanto se afina com o escopo de norma, uma vez que não se pode admitir que o
benefício seja implementado naquelas situações extraordinárias em que a condição do agente (seja pela conduta concretamente
praticada, seja em razão de seu histórico reincidência e descumprimento de benefício anteriormente concedido) descortine que
a colocação em prisão domiciliar representaria um enorme risco à ordem pública. Neste sentido, cabe atentar para o teor do
voto do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, quando do julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do AgRg no HC nº
426.526, em excerto que se reproduz na sequência: (...) Feita essa breve observação, cumpre lembrar que esses dois parâmetros
já estavam previstos no julgado do Supremo Tribunal Federal, hoje representados nos incisos I e II do novo art. 318-A do CPP.
Porém, com relação as chamadas situações excepcionalíssimas, a nova lei nada regula. Entendo que não se trata de um
silêncio eloquente da norma, mas apenas como uma omissão legislativa e é assim que deve ser interpretado. De fato e que faço
propositadamente uma redução ao absurdo da novidade legal de foram a demonstrar a inevitabilidade da sua interpretação no
sentido de que houve omissão legislativa -, a leitura do disposto em termos literais forçaria a concessão da prisão domiciliar a
mãe que sequer convive ou criou os filhos, unicamente porque o crime não envolveu violência ou grave ameaça ou dirigiu-se
contra a prole. A exceção da concessão do benefício em determinadas situações excepcionalíssimas deve, portanto, ao meu
ver, subsistir. Com efeito, por meio desse parâmetro adicional era possível fazer um controle maior de conduta criminosa que,
embora não alcançados pelas duas exceções, se revestiam de elevada gravidade, evidenciando um risco concreto de violação
aos direitos da criança ou uma ameaça acentuada à ordem pública. Nesse sentido, temos muitos precedentes apontando como
situações excepcionalíssimas, dentre as quais se destacam: (i) praticar o tráfico de drogas na residência, com a presença ou
mesmo participação das crianças; (ii) reincidir em crimes graves, onde mesmo após prisões anteriores ou cumprimento de
penas, não abandonaram o mundo do crime; (iii) integrar perigosas organizações criminosas, profundamente envolvidas com a
criminalidade, notadamente quando exercem papel relevante, com ligações com facções perigosas, criando um ambiente de
constante risco e insegurança que afeta toda a família, apenas para exemplificar. Nessas hipóteses, percebe-se que a presença
física da mãe ou responsável pode caracterizar violação de direitos que atinge diretamente as crianças menores ou dependentes.
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º