TJSP 04/05/2022 - Pág. 3603 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 4 de maio de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XV - Edição 3498
3603
Processo 1500090-47.2020.8.26.0449 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Decorrente de Violência Doméstica - LUIZ
FELIPE SANTOS GONCALVES - Vistos. Expeça-se certidão de honorários nos termos do convênio. Intime-se. - ADV: JOSE
SERAPHIM JUNIOR (OAB 96837/SP)
Processo 1500108-66.2022.8.26.0621 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Crime de Descumprimento de Medida
Protetiva de Urgência - EDNEI LUIZ DA SILVA - Vistos. A lei n. 13.964/2019, que trouxe alterações variadas em diversos diplomas
legais (denominada de Pacote Anticrime), determinou a revisão das prisões decretadas, observada a periodicidade de 90
(noventa) dias. In verbis: Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da
investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem
razões que a justifiquem. Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal. Em cumprimento ao comando normativo, passo a deliberar. A custódia cautelar é medida excepcional, a ser
decretada e mantida nos casos em que a segregação seja necessária e proporcional, e não sendo suficientes as medidas
diversas da prisão estabelecidas no artigo 319, do Código de Processo Penal. Assim, como ultima ratio, há que se perquirir se
os motivos que justificaram a decretação ainda subsistem. Observa-se que a legislação penal e processual penal, sob os influxos
da força normativa da constituição, e irradiação de efeitos práticos em cada uma das relações jurídicas, foi progressivamente
relativizada, com a criação de mecanismos alternativos ao encarceramento. Mas a interpretação dos novos paradigmas legais e
jurisprudenciais não tem o condão de cercear o magistrado na tomada das decisões necessárias e proporcionais que o caso
concreto reclamar. Não há espaço para o abolicionismo penal, tampouco de proibição de aplicação de medidas provisórias
acauteladoras em face daquele que aparentemente transgrediu o pacto social considerando o periculum libertatis que emana.
Com efeito, o julgador deve ter por norte, sempre, o cotejo entre os direitos envolvidos, balizando-os em sopesamento concreto.
E, se por um lado a liberdade individual é prestigiada em seu ápice, forçoso asseverar que não se tolera uma proteção penal
deficiente. A segurança é valor fundamental, tanto quanto a liberdade, de maneira que devem ser equiponderados. É a exegese
do artigo 5, da Constituição da Federal: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes (...) Fala-se, pois, em um garantismo positivo, que deve nortear o julgador, arrostando-se a
proteção penal deficiente, que traria rupturas severas no tecido social, já bastante roto, contribuindo para situações ainda mais
graves em casos extremos, autotutela por parte da população desacreditada. Deveras, a dimensão dos direitos fundamentais
inerentes à persecução penal não se esgota no dever estatal de proteção do acusado, em geral consubstanciado nos direitos e
garantias individuais a que aludem vários dos incisos do artigo 5º da Constituição Federal. Inserem-se nesse preceito
constitucional outros mandamentos endereçados ao Estado, que podem, eventualmente, resultar na restrição das liberdades
públicas, em nome de outros bens e interesses também protegidos pelo poder estatal, por igualmente interessarem à comunidade.
Entre esses direitos sobressai o direito à segurança, colocado ao lado do direito à liberdade, em igual estatura e importância,
logo no caput do artigo 5º da Carta Magna, o que implica afirmar que o Estado está obrigado a assegurar tanto a liberdade do
indivíduo contra as ingerências abusivas do próprio Estado e de terceiros, quanto a segurança de toda e qualquer pessoa contra
ataque de terceiros inclusive do acusado mediante a correspondente e necessária ação coativa (potestas coercendi) ou punitiva
(ius puniendi). O direito à segurança também constitui uma das formas de realização da dignidade da pessoa humana.
Certamente, a preocupação em se estabelecer um ambiente em que reina a tranquilidade e a paz social, livre da instabilidade
gerada pelas infrações penais, justifica-se por conta da necessidade em se assegurar o desenvolvimento da pessoa humana,
cujo exercício pressupõe a existência de harmonia (BECHARA, 2005, P. 44). Como paralelo ao dever estatal de assegurar a
liberdade humana, o dever de garantir segurança, como imperativo constitucional (artigo 144, caput, CF), não está em apenas
evitar condutas criminosas que atinjam direitos fundamentais de terceiros, mas também na devida apuração (com respeito aos
direitos fundamentais dos investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo o caso, da punição do responsável (FISCHER,
2010, p. 36). No direito penal e processual penal salienta ÁVILA (2006, p. 55) podem ser identificados, ao menos, três titulares
de interesses contrapostos: acusado, vítima e coletividade. É do equilíbrio desses interesses que resulta a ponderação complexa
do dever de proteção penal. (...) Em relação à vítima e à coletividade, há um direito fundamental de proteção penal, no sentido
de que o Estado proteja os bens jurídicos mais relevantes à agregação do tecido social mediante normas incriminadoras, com
penas proporcionais, bem como exige a realização concreta desse sistema de justiça criminal de forma eficiente. Esse dever de
proteção penal eficiente possui relevância até mesmo para convivência harmônica e ordenada da sociedade, que deve estar, e
sentir-se, segura diante de situações conflitivas que ameacem ou turbem sua liberdade e sua incolumidade física. A propósito,
observa ÁVILA (2006, p. 69), reportando-se ao ensinamento de HEINZ ZIPF, que a ausência de uma tutela penal efetiva favorece
a tendência de fortalecimento de instâncias extra-estatais de penalização (como, e.g., grupos de extermínio), a quebra de
confiança na tutela jurídica eficaz e o fomento das tendências de autodefesa. Essa, aliás seria a função mais importante do
Direito Penal no entender de FERRAJOLI (2002, p. 270), que identifica na proibição e na ameaça penais o meio legítimo para
proteger os possíveis ofendidos contra os delitos, e no julgamento e inflição de pena, o instrumento de proteção dos réus (e dos
inocentes suspeitos) contra vinganças e outras reações, formais ou não, mais severas. Em igual direção se põe ROXIN (1993,
p. 76), ao asseverar que o direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o
crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus
membros dos abusos do indivíduo. E quando o Estado se mostra incapaz de oferecer essa proteção, abre-se maior oportunidade
para um fenômeno primitivo, mas ainda comum em alguns povos, o linchamento, o justiçamento sumário, que se explica tano
pela natureza violenta e irracional de certos indivíduos (independentemente da classe social ou nível econômico), quanto pelo
generalizado descrédito nas instituições que integram o sistema punitivo de uma dada sociedade. No Brasil, um país
inegavelmente violento, os dados assustam. Segundo pesquisa realizada por José de SOUZA MARTINS, o Brasil é possivelmente
o país que mais lincha no mundo. Estima o sociólogo em entrevista concedida à jornalista Flávia Tavares, de o Estado de São
Paulo e publicada na edição de 17/2/2008 (http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,quinhentos-mil-contra-um,125893) que
aconteçam de 3ª 4 linchamentos no país por semana, sendo São Paulo a cidade com a maior incidência desse fenômeno,
seguida de Salvador e Rio de Janeiro. E explica: As sociedades lincham quando a estrutura do Estado é débil. Há momentos
históricos em que isso acontece. Na França, depois da 2ª Guerra Mundial, quando não havia uma ordem política, havia a
tonsura (raspagem dos cabelos) de mulheres que tiveram relações sexuais com nazistas. Era uma forma de estigmatizar, para
que ela ficasse marcada. O linchamento original, nos Estados Unidos, tinha essa característica. O que configura um linchamento?
É uma forma de punição coletiva contra alguém que desenvolveu uma forma de comportamento anti-social. O anti-social varia
de momento para momento e de grupo para grupo. Na França, ter traído a pátria era um motivo para linchar. No caso da Itália,
aconteceu o mesmo. No Brasil, é o fato de não termos justiça, pelo menos na percepção das pessoas comuns. Não se está a
apregoar que uma justiça mais dura e efetiva serviria para acalmar o clamor popular e os sentimentos irracionais por mais
punição. Isso significaria simplesmente atender à maioria, o que vai contra a ideia que justifica a existência do Direito Penal, o
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