TJSP 07/12/2010 - Pág. 237 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Terça-feira, 7 de Dezembro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano IV - Edição 848
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outra parte é destinada à aquisição de bens e investimentos, como é notório. Os valores que permanecem livres na conta
corrente, ainda que decorram do pagamento de salário ou vencimento perdem esta qualidade, porquanto não são mais
indispensáveis ao sustento do devedor e sua família. Não bastasse, o salário mínimo é de R$ 510,00. Este valor é considerado
pela Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso IV, como suficiente ao atendimento das “necessidades vitais básicas e às de
sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social,..” (sic). O
devedor recebe mensalmente a quantia líquida de R$ 2.600,85 (fls. 109), portanto cerca de 5,0997 salários mínimos. Desta
forma não é possível a extensão pretendida pela devedora do disposto no artigo 649 do Código de Processo Civil, tornando a
integralidade de seu salário ou vencimentos impenhoráveis, inviabilizando o Poder Judiciário de fazer Justiça, ou de dar a
credor uma resposta “justa”. Ninguém em sã consciência é capaz de afirmar que o devedor deva ficar sem pagar a dívida que
contraiu, pouco importa quem seja seu credor, pois a regra que pode hoje discriminar o credor rico é a mesma regra que impede
o pobre de receber do rico. Exemplo: o pedreiro ou pintor que não pode penhorar pequeno percentual daquele que ganha
altíssimo salário. Onde fica a Justiça? Ora, quem deve tem a obrigação moral e legal de pagar! O salário, por sua vez, representa
o que o trabalhador aufere para cumprir com suas obrigações, sejam elas para sua sobrevivência, sejam elas para seu deleite
pessoal que também é considerado como indispensável à dignidade humana; assim pelo menos parte dele, desde que não
inviabilize a sobrevivência do devedor, pode ser penhorado para fazer Justiça ao credor, pois o “crédito”, em última análise, tem
na sua origem finalidade de sobrevivência e manutenção da dignidade do devedor, ou seja, era este também o motivo do
devedor quando procurou e obteve o crédito que hoje se recusa a pagar. Deste modo, a sobrevivência e a dignidade humana, é
também causa remota do “crédito constituído”, os valores que ele representa possibilitaram ao devedor sua sobrevivência e sua
dignidade, agora depois de utilizados, na hora de pagar, não se pode esquecer dos benefícios que proporcionou ao devedor e
sua família. Posto isto, por ferir o princípio geral de direito acima mencionado - a qualidade do que é “Justo” - e os princípios
constitucionais do artigo 3º, inciso I, combinado com artigo 7º, inciso IV, ambos da Constituição Federal, a vedação “absoluta”
do artigo 649,IV, do Código de Processo Civil, é inconstitucional. Considero-a relativa para que percentual dos vencimentos,
dentro dos limites que a lei admite sejam comprometidos, possam ser penhorados para pagamento ao credor. Frise-se,
finalmente, que a deliberação de penhora de percentual que não compromete a sobrevivência do devedor, além de fazer Justiça
ao credor torna a execução menos onerosa ao devedor, porquanto lhe possibilita cumprir a obrigação de forma parcelada sem
novos ônus de editais, diligências, intimações, ou seja, despesas processuais. Assim, a providência está, também, em perfeita
concatenação com o artigo 620 do Código de Processo Civil, cujo comando é destinado exclusivamente ao “Juiz da execução”.
Destarte, considerado que os valores recebidos pelo devedor, nos termos da Constituição Federal, são mais que suficientes à
sua manutenção e de seus familiares, fica mantido o bloqueio judicial da conta bancária, entretanto ele será reduzido a 20% dos
seus vencimentos mensais, até liquidação do débito objeto deste processo. A providência é indispensável para tornar efetiva a
prestação jurisdicional, porquanto não foram localizados bens dos devedores, tampouco eles indicaram bens que pudessem
garantir a execução. Adotando posição semelhante, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão deste juízo: “Agravo de
Instrumento. Execução de Título judicial. Penhora “on line” reduzida para 15% sobre os vencimentos do executado. Não tendo
ocorrido a penhora sobre 100% dos vencimentos , mas apenas 15%, tal ato não causa onerosidade excessiva, porque não está
além daquele patamar permitido para o caso de consignação em folha de pagamento (1/3 dos vencimentos), situação que se
equipara à hipótese dos autos, e ainda, preserva a dignidade e as condições de sobrevivência do devedor, que é médico,
executado no valor de R$ 2.313,74 (fls. 72). Ausência de violação à impenhorabilidade de salário. Razoabilidade e
proporcionalidade. RECURSO NÃO PROVIDO” (sic). (Ag. Inst. Nº 7.132.690-0, 14ª Câm. Dto. Priv. “B” - Rel. Gioia Perini). Até o
próprio STJ já trilha por este caminho para considerar a possibilidade de penhora de percentual dos vencimentos, numa
inequívoca interpretação de que a vedação do artigo 649, IV, é relativa e não absoluta. Confira-se: (REsp 770797 / RS ;
RECURSO ESPECIAL 2005/0125594-1, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI (1118), Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA, j.
29/11/2006, DJ 18.12.2006 p. 377 RDDP vol. 48 p. 170) Ementa “DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. FAMÍLIA. EXECUÇÃO
DE ALIMENTOS. PENHORA DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. ART. 649, IV E VII, DO CPC. PENHORA DA
INTEGRALIDADE DO VALOR DA APOSENTADORIA. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FIXAÇÃO EM PERCENTUAL
QUE POSSIBILITE A SUBSISTÊNCIA DO EXECUTADO-ALIMENTANTE. - Os proventos líquidos de aposentadoria podem ser
penhorados para pagamento de execução de pensão alimentícia, não obstante o inc. VII, do art. 649, do CPC silencie a esse
respeito. - Para pagamento de prestação alimentícia, não pode ser penhorada a integralidade dos proventos líquidos de
aposentadoria, mas apenas um percentual que permita o indispensável à subsistência do executado-alimentante; que, na
espécie, é fixado em 66% dos proventos líquidos da aposentadoria mensal do recorrente. Recurso especial provido apenas para
adequação do percentual da penhora”. (AgRg no Ag 688511 / RS ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
2005/0104774-6, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110), Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA, j. 06/10/2005,
DJ 21.11.2005 p. 252). Ementa “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE DINHEIRO.
BANCO. ONEROSIDADE. SÚMULA N. 83/STJ. PRECEDENTES. I. Esta Corte Superior tem fixado o entendimento que preconiza
a possibilidade de a penhora recair sobre saldo existente em conta-corrente sem que ocorra ofensa ao princípio da menor
onerosidade para o devedor. II. Precedentes do STJ. III. A mitigação do art. 620 do CPC deve ser analisada à luz das
peculiaridades de cada caso, não devendo nunca ser utilizada como instrumento para subverter a ordem lógica e natural do
processo de execução. IV. Agravo regimental desprovido”. Outros Tribunais Estaduais, atentos a esta peculiaridade, também já
começaram a trilhar entendimento semelhante, confira-se: “PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PENHORA EM
DINHEIRO - CONTA SALÁRIO - 1) Correta é a decisão monocrática que determinou a penhora de valores existentes em conta
corrente que não tinham natureza alimentar. Assim, somente a quantia destinada à subsistência do devedor e de sua família são
impenhoráveis. 2) Agravo não provido”. (TJAP - Ag 44800 - (5376) - C.Única - Rel. Des. Conv. Juiz Mário Mazurek - DOEAP
24.04.2003 - p. 28) “CONTA SALÁRIO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - LEGITIMIDADE DA PENHORA EM CONTA CORRENTE - SEGURANÇA DENEGADA - Afigura-se correto o ato do MM. Juízo da execução que, ante a falta de outros bens
que efetivem a liquidez da dívida trabalhista, determina a penhora em conta- corrente de sócio da empresa executada, primando,
assim, pela rápida satisfação do crédito trabalhista. Ressalte-se que o impetrante não comprovou em momento algum que a
conta bancária bloqueada pelo MM. Juízo impetrado destina-se exclusivamente ao recebimento de salários e proventos de sua
aposentadoria, pelo que não há que se falar nos benefícios previstos no artigo 649, do Código de Processo Civil. Nessa
conformidade, a constrição do citado numerário é plenamente legítima, além de figurar o bem em questão, em primeiro lugar no
rol elencado no artigo 655 do Código de Processo Civil. Segurança que se denega”. (TRT 2ª R. - MS 11154 - (2003028399) - SDI
- Relª Juíza Vania Paranhos - DOESP 31.10.2003) JCPC.649 JCPC.655 “PENHORA - INCIDÊNCIA SOBRE A SOMA EM CONTA
CORRENTE PROVENIENTE DE SALÁRIO - IMPOSSIBILIDADE - Bem considerado impenhorável. Aplicação do art. 649, IV, do
Código de Processo Civil. Hipótese em que o salário, no momento em que ele deixa de servir para o sustento natural do
executado, pode, eventualmente, ser penhorado, desde que sobeje alguma quantia a ser preservada em algum tipo de aplicação
financeira. Recurso provido”. (1º TACSP - AI 1109809-2 - (45689) - Sorocaba - 5ª C. - Rel. Juiz Álvaro Torres Júnior - J.
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º