TJSP 08/05/2015 - Pág. 2021 - Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II - Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: sexta-feira, 8 de maio de 2015
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano VIII - Edição 1880
2021
para processar a lide, sob o argumento de que o foro de eleição estabelecido no contrato é Caldas Novas/GO. No mérito,
afirmou que o valor para a aquisição do imóvel era R$ 37.025,00, sendo que o valor de R$ 2.900,00 somente não constou no
contrato porque já havia sido adimplido. Bateu-se pela natureza de arras do valor desembolsado, negando ter havido pagamento
de corretagem. Acentuando que as arras constituem princípio de pagamento, asseverou a legitimidade da retenção de seu valor
com o desfazimento do negócio; alternativamente, em caso de condenação, pugnou que a devolução se dê de forma simples, e
não em dobro. Insurgiu-se contra o pedido de danos morais formulado, aduzindo que “não há nos autos comprovação robusta
no sentido de ter sofrido a requerente abalo de crédito por conduta da requerida, constrangimento, humilhação, inscrição
indevida do nome do autor nos órgãos de proteção do crédito”. Ao final, requereu a improcedência do pedido inicial ou,
subsidiariamente, em caso de condenação, a fixação do valor em até um salário mínimo. Em réplica (fls. 106/118), a autora
inovou o pedido inicial aos requerer a devolução do valor da primeira parcela retido a título de despesas administrativas. Tratase de hipótese de julgamento antecipado da lide, diante da desnecessidade de produção de prova em audiência, nos termos do
art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil. Afasto a preliminar de incompetência territorial por reconhecer que o contrato
firmado pelas partes se rege pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo a ré fornecedora e a autora consumidora. A ação é
de indenização, de modo que pode ser ajuizada no domicílio do consumidor, a teor do disposto no art. 101, I, do CDC. Portanto,
abusiva a cláusula que fixou o Foro de Caldas Novas/GO como competente para processamento da causa. Nesse sentido:
“COMPETÊNCIA - Ação de rescisão de compromisso de compra e venda - Relação de consumo configurada - Prevalência do
foro do domicílio do autor pelo de eleição - Aplicação do disposto no art. 101, I do Código de Defesa do Consumidor - Preliminar
rejeitada. RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA C/C PERDAS E DANOS - Aplicabilidade cio artigo 53 Código
de Defesa do Consumidor - Culpa pelo inadimplemento - Irrelevância no caso analisado - Dever de devolução das parcelas
pagas - Possibilidade de retenção de uma parte para cobrir despesas administrativas e de corretagem ~ Recurso da ré provido
em parte e improvido o adesivo dos autores” (TJSP. 9072270-69.2000.8.26.0000 Apelação Com Revisão. Relator(a): Álvares
Lobo. Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado. Data de registro: 16/12/2005. Outros números: 162.558-4/3-00,
994.00.018261-9). No mérito, o pedido é parcialmente procedente. A existência do vínculo contratual entre as partes está
devidamente demonstrada nos autos, conforme o Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra (fls. 11). No
mérito, incontroverso que em 09/01/2014 a autora aderiu a “proposta de compra e venda de cota/fração de unidade residencial
em regime de multipropriedade empreendimento Atrium Thermas Residence Service” (fls. 11). A proposta feita pela ré é bastante
vaga, não discriminando e informando com clareza os direitos e deveres das partes, em especial, os direitos da consumidora/
aderente. A autora alegou ter recebido informações bastantes diversas do preposto da ré, no momento da adesão, tendo
constatado a divergência entre o quanto foi informado e as cláusulas do contrato ao receber cópia do instrumento de contrato, o
que ocorreu 81 dias depois. A ré não impugnou especificamente, em contestação, o teor das informações prestadas por seu
preposto no momento da oferta por meio do contrato de adesão de fls. 11; as quais reputo incontroversas. Com efeito, “toda a
informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer meio de comunicação com relação a produtos e
serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a
ser celebrado” (art. 30 do Código de Defesa do Consumidor). Ainda, “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade,
quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que
apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31 do CDC). Ou seja, as informações prestadas pelo fornecedor
quando da contratação devem ser corretas (verdadeiras), claras (de fácil entendimento), precisas (sem prolixidade), ostensivas
(de fácil percepção) e em língua portuguesa, conforme a percepção de Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin. O rol
disposto no art. 31 do CDC é meramente enumerativo, cabendo ao fornecedor informar quaisquer outros dados relevantes ao
consumo do produto ou serviço. E ainda, é de caráter obrigatório, pois a autoridade administrativa ou judicial pode determinar
seu cumprimento se não executado espontaneamente. Descumprido o disposto no artigo 31, o consumidor pode pleitear a
desconstituição da relação jurídica, podendo ainda recusar o objeto que havia sido ofertado, sendo o fornecedor eventualmente
responsabilizado nos termos do artigo 66 do CDC. Exatamente o que ocorreu no caso em tela, estando a autora amparada pelo
disposto no artigo 46 do CDC. “Art. 46 - Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se
não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem
redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.” Segundo o abalizado escólio da Professora Cláudia
Lima Marques, “O art. 46 do CDC surpreende pelo alcance de sua disposição. Assim, se o fornecedor descumprir este seu novo
dever de dar oportunidade ao consumidor de tomar conhecimento do contrato, sua sanção será: ver desconsiderada a
manifestação de vontade do consumidor, a aceitação deste, mesmo que o contrato já esteja assinado e o consenso formalizado.
Em outras palavras, o contrato não tem seu efeito mínimo, seu efeito principal que é o de obrigar, vincular as partes. Se não
vincula, não há contrato: o contrato de consumo como que não existe; é mais do que ineficaz, é como que inexistente, por força
do art. 46, enquanto a oferta, por força do art. 30, continua a obrigar o fornecedor!” (“Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor”, RT, 2a edição, pág. 633). Noutra passagem, aduz: “Se lidos em conjunto, os arts. 46 e 54, especialmente os §§ 3o
e 4o deste último, impõem aos fornecedores de serviços e produtos no mercado brasileiro um dever de clareza na redação dos
contratos de consumo, em especial nos contratos por adesão, e um dever de destacar aquelas cláusulas limitativas dos direitos
dos consumidores, sem prejuízo que sejam mais tarde consideradas abusivas ou não (art. 51, I, do CDC).” (ob. cit., pág. 634).
Nesse sentido: “Apelação cível Resolução contratual Sistema de tempo compartilhado Preliminar de nulidade da sentença
rejeitada Mérito provido. 1. Não vinga preliminar de nulidade da sentença que, ainda que sucintamente, encontra-se
fundamentada. 2. Demonstrado que o contrato de promessa de compra e venda é obscuro e não contém explícita discriminação
da época do uso e fruição da fração ideal do empreendimento adquirida pelos promissários compradores, procede o pedido de
resolução, com direito à restituição das parcelas cobradas e cancelamento daquelas lançadas em cartão de crédito. Inteligência
do art. 46 do CDC. Apelação provida.” (TJRJ. 17a Câm. Ap. Cív. 70000828673 rel. Des. Eduardo Uhlein j. 14.04.2002). Importante
salientar que a desconstituição do contrato atinge mesmo as quantias pagas a título de sinal ou confirmação, já que todo o
contrato resta fulminado por defeito, vício de informação. Em relação aos danos morais, não se nega que o defeito do produto
por vício de informação gera decepção e aborrecimento pela quebra da expectativa, não, contudo, abalo moral indenizável.
Salvo situações excepcionais e bem delineadas, a simples frustração decorrente do descumprimento do dever legal de
adequação entre a oferta e produto não é indenizável, mas somente a ofensa aos direitos da personalidade, ou aquele sofrimento
intenso e profundo, a ser demonstrado no caso concreto. É preciso que da situação concreta decorra sofrimento intenso e
profundo. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a inobservância de cláusulas contratuais pode gerar frustração na parte
inocente, mas não se apresenta como suficiente para produzir dano na esfera íntima do indivíduo, até porque o descumprimento
de obrigações contratuais não é de todo imprevisível (RESP n. 876.527/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 28.4.2008)
(STJ; AgRg-AgRg-Ag 1.033.070; Proc. 2008/0068993-5; RS; Quarta Turma; Rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho Junior; Julg.
16/09/2010; DJE 30/09/2010). É certo que as partes devem agir com boa-fé durante toda a relação contratual (Artigo 422 do
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º